Ouro Verde
Nosso ouro verde.
Naquele ano, 1959? O preço do café estava superaquecido, e ele acabara de vender algumas sacas, para fazer frente às despesas, pagar os papagaios no Banco do Brasil, a farmácia do Sr Pedro, a venda do Sr Evaristo, onde comprava : sal, açúcar, macarrão, farinha, fumo de corda pro cigarrinho de palha, azeitonas em lata, chupetinhas doces, e tantas outras bugigangas, tudo fiado e anotado no velho caderninho, quando a situação apertava, a safra não vinha, a geada torrava sonhos, planos... Mas este ano sobrara-lhe uns trocos para comprar supérfluos para os filhos. Era uma manhã de primavera, de céu limpo, azul, nenhuma nuvem no céu. Meu pai não se aventurava a sair de casa, se o tempo não estivesse em boas condições. O sítio de meu avô era distante apenas 15 km da cidade mas, se chovesse, o ônibus com certeza não conseguiria chegar ao seu destino. Estrada sem asfalto, cheia de subidas e descidas íngremes. Atolaria na certa. Entusiasmado com o céu, prontamente vestiu sua roupa de cidade, pegou a primeira jardineira que ia pra Londrina, e lá foi ele, ansioso por trazer sapatos novos prós meninos, um agrado pra Dona Chica, , tecidos para o vestidos das filhas. Ah, como ele ficava feliz quando sobrava um dinheirinho que lhe proporcionava esse luxo. Mudava de cara. De humor. Era outro Edgar. Lembro-me como se fosse hoje: pra mana ele comprou um sapato de salto, vermelho. Seu primeiro!Pros três meninos, sapatos pretos, sociais, com cadarço e tudo. Os olhos de meus irmãos brilhavam como os sapatos de verniz. A mana, sempre meiga, carinhosa, cordata, apaixonou-se por seu vermelhão, como dizíamos, embora soubesse que teria de tirá -lo toda vez que fosse atravessar o longo pasto, não só pra evitar os estrumes frescos das vacas, como também os seus ataques vorazes ... elas amavam essa cor... Comprou também alguns metros de laise verde, com desenho de flores bem delicadas, para os vestidos novos das filhas.Ficamos radiantes de felicidade. Claro, ele podia ter comprado de cores diferentes... mas, sabe como é , para aproveitar o preço apetitoso de final de peça, trouxe tecido igual para as duas. rsrs Então saíamos ambas de verde... todos nos olhavam e cochichavam. Éramos tímidas, jacus, como diziam, de sítio, mas nada abalava nossa alegria. Sentíamo-nos as princesas do local... e éramos , os vestidos, confeccionados pelas mãos de fada da tia Nonó, lavados e engomados pelas mãos amorosas de minha mãe, depois passados com o ferro à brasa, ficaram encantadores e chamavam sim, a atenção de todos. E nos vestiram de glamour e felicidade .O velho Edgar sentia um orgulho inexprimível e indisfarçável. Os filhos eram sua única riqueza.
Há poucos anos atrás, mexendo na gaveta da máquina de costura da mana, à procura de alfinetes, achei um retalhinho do laise que minha mãe ali deixara. Imaginem, meio século havia se passado.Voltamos no tempo, choramos, rimos, relembramos fatos marcantes de nossa infância ... nos deliciamos com o tal paninho verde. Hoje, saudosa de tudo e todos, eu escrevo este texto... já não borro o papel, a lágrima represada, faz o coração em soluços disparar, e os dedos, trêmulos, buscar os caracteres da saudade... minha irmã , grande companheira, deve estar chorando comigo nos céus...