O mistério da princesa da Gabela

Havia, à beira de um rio, na pequena vila da Gabela, um imenso mistério.

Um mistério que aumentava sempre que fosse contado.

Dizia-se que depois das cachoeiras, num rio monocórdico e com águas ribeirinhas, existia uma casa onde vivia uma princesa.

Esta princesa, inventada pelo amor do seu pai e de sua mãe, nasceu com a vontade verdadeira de ser parte daquele rio gigante, aos seus olhos, rodeado de margens enormes, rodeado daquele mato que cheirava a gindungo e café, mato puro que fazia chover quase lama e trazia boas novas para os povos, boas novas para aquela terra quente e fria que a abraçava em todos os dias da sua meninice.

Um dia, dizem, ela partiu e levou a Gabela consigo, no peito, no coração.

Às vezes, dizem, na profunda distância, ela punha-se a pensar de onde vinha aquele amor, aquela devoção pelas pedras, pelas ruas, pelos animais que cada um chamava por nome diferente. De onde vinha tanto amor que não desaparecia nem com a lonjura, nem com o tempo.

Que mistério tão grande.

Certo dia, ao entardecer, numa terra que é feita de ilhas e as pessoas sorriem sem reserva, encontrou na sua memória os vôos madrugadores das garças, o discurso íntimo das catatuas e o escorrer corajoso dos crocodilos. As cores impossíveis do despertar da Gabela, do despertar dos olhos desta menina para um mundo guardado, tão bem guardado naquele sorriso de princesa.

Viu o mundo inteiro e aprendeu coisas que preferia não ter aprendido. Outras coisas, chamadas de fantásticas, aprendeu-as todas, tudo sobre leis e política, economia e finanças e todas as outras palavras que não interessavam nada a quem ía pescar com o pai à beira rio.

Mas, a Gabela existia dentro dela, como um templo.

Num dia, distante de tempo e lugares, chegou a pensar que não voltava, que jamais seria a princesa do rio, a filha daquela terra que tanto amava.

Pensou…

Outro dia ela voltou, num dia diferente de todos os outros, logo ela que saiu princesa e voltou rainha.

Voltou com a graça e a saudade, voltou com olhos brilhantes de sempre.

Voltou.

Não se esclarece o mistério. O mistério da princesa da Gabela.

Mas sabemos que poucos podem ter este amor profundo, fluvial, matinal e vespertino pela terra que nos viu nascer."

Victor Amorim Guerra