um fato comum (ou quando as palavras já não dizem o que pensam dizer)

Foi como se fosse ontem, eu me lembro, disse a zeladora do templo ao pé do santo. Das pessoas que - em gestos genuflexório - se compraziam daquele momento de absoluta entrega, não houve se quer quem notasse aquela alquebrada senhora. Precisar sua idade não era, àquela ocasião, algo que se impunha relevante. Sua chegada, assim como seus movimentos, foram em absoluto silêncio. O padre que naquele exato momento fazia sua homilia, e sem que pudesse interromper seu sermão, deu sequência ao rito. A velha senhora chegou e prosseguiu naquilo que parecia o sacramento de sua vida. Do lado de fora - era um dia chuvoso - ouviu-se um estrondo e gritos abafados de desespero. O padre e todos aqueles que estavam no templo, correram à porta. Novo silêncio. Em seguida uma ambulância resgata o corpo. Silêncio. Todos voltam ao templo e terminam suas preces. A velha senhora, que não saíra à rua, ouve uma voz perguntar ao padre se não encomendaria a alma do falecido. " Era um morador de rua, filha," respondeu o padre. A velha senhora nunca mais foi vista no templo. Dizem que perambula pelas ruas procurando a alma daquele infeliz que ousou viver nas praças e ruas, enfeando a cidade, bela e solene.