Números

Dez anos de casados.

Final de semana na serra, frio para enroscar a perna, restaurantes caros que não deveríamos frequentar não só por causa dos números da fatura do cartão de crédito, também pelos outros números:

Oito quilos de sobrepeso.

Quinze de hipoteca.

Dois filhos em casa.

Soube que foi a melhor viagem quando trocamos de números.

Uma mão na minha coxa — bendito inventor do carro automático.

Um olhar no meu olhar — que já não tem medo de despencar no abismo quando fazes isso.

Uma estrada sinuosa — fingindo acabar logo adiante, mas que não tem fim em suas curvas conectadas umas às outras.

Como nós dois.

Teu passo travou na porta do hotel econômico quando descobrimos que ele era frequentado por reformados.

Na manhã seguinte, de mãos dadas contigo, descobri que o telhado do hotel pegou fogo por causa da lareira. Foi engraçado ver aqueles casais de velhotes tagarelando sobre o perigo que corremos todos no quase trágico evento. Aquele logo depois da garrafa de vinho compartilhada e de termos corrido bêbados no meio da avenida vazia.

Uma mulher nas tuas costas.

Duas mãos no meu quadril.

Vimos nos olhos deles a ânsia por voltar a viver o que somos. Tu te lembras de acordar com as sirenes no meio da madrugada e voltar a dormir, cansado das três horas de amor que tivemos e que não lembrávamos mais sermos capazes de o fazer?

Eles sabiam que esse era o motivo de não termos participado da festa com os bombeiros. E eles nos invejaram. Nós rimos. Rimos porque os invejamos. Desejamos os números deles:

Trinta anos de amor.

Quatro horas de carteado.

Doze gargalhadas.

Um fogo no telhado.

Infinitas curvas conectadas.

Nada de mais. Tudo de mais. A viagem da minha vida. Ao teu lado. Partimos observando as telhas chamuscadas.

Dane Diaz
Enviado por Dane Diaz em 07/01/2019
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