O LADRÃO DE SAPATOS

No início dos anos 1940 a praça 2 de julho vivia cheia de profissionais liberais das mais diversas áreas. Ali tinha fotógrafos (com os seus tradicionais lambe lambe), vendedores de sombrinhas, de carteira de documentos, e também os sapateiros. Estes últimos eram os mais requisitados pela mulherada que tentava dar um "tapa no visual" nos belíssimos sapatos. O calçado novo nas lojas custava quase meio salário mínimo. No período de festas juninas havia um aumento considerável de clientes para os sapateiros. Todas as mocinhas, ávidas pelas festas no interior, lustravam os seus tamancos, sandálias e até botas nas barracas da praça 02 de julho. Nessa época a prefeitura não tinha um batalhão de "bombados" para expulsar ( hoje as suas ações ganham manchetes de jornais) os trabalhadores autônomos das praças. O profissional liberal não se preocupava com o famoso "rapa". Essa vida tranquila dos "atores da rua" proporcionou um aumento no percentual dos insipientes camelôs. Em meados de 1945 a praça já abrigava exatos 50 trabalhadores autônomos dos diversos ramos comerciais. Um desses chamava-se Carreirinha. Essa alcunha lhe fora dada devido a sua impaciência por tudo e por querer as coisas com muita rápidez. Em casa, na rua ou com os amigos ele agia e falava muito rápido. A feição dele parecia muito com a do personagem Carlitos do cinema mudo. O rosto queimado do sol, as sobrancelhas grossas, olhos fundos e o famoso bigodinho. Ele vestia roupas largas e usava chinelos maiores do que os seus pés. Alguns diziam que as suas condições financeiras não permitiam a compra do calçado certo. Outros afirmavam que o autônomo aproveitava as liquidações das lojas, independente do tamanho da sandália. Carreirinha aprendera o ofício de consertar sombrinha com o seu falecido pai. A remuneração mal pagava o aluguel da pensão em que morava, mas o autônomo complementava a renda trabalhando como lanterninha nos fins de semana no cine Glória. O verão representava para Carreirinha o período mais difícil. O fluxo de senhoras com as suas sombrinhas diminuia bastante. A alternativa para ele nessa época era a venda de potes de brilhantina. O produto não possuia grande qualidade, mas o baixo valor "azeitava" as vendas. Os frequentadores do cine Glória compravam os recipientes cheios de brilhantina para aplicar em suas vastas cabeleiras. A barraca do "Carlitos" ficava ao lado do ponto dos sapateiros, e era a última a cerrar as suas portas. Esses profissionais (sapateiros) estavam intrigados com o desaparecimento das sandálias, e tamancos. Havia três meses que esses furtos estavam acontecendo. Os sapateiros trocavam cadeados, e portas, mas não tinha jeito. A clientela diminuia a cada dia por causa dos sumiços constantes dos calçados. O prejuízo aumentava e ninguém descobria o autor dos furtos. Mas as facanhas do ladrão de sapatos acabou no final de 1949. Um dos sapateiros ficou escondido no meio dos calçados dentro de uma das barracas. Por volta da meia noite ele ouviu um barulho de chaves abrindo a porta da barraca. Tudo estava escuro, e silencioso. O sapateiro Tomás tremia muito, mas tomou coragem para repreender o invasor. Ele disse: - Ô larápio duma figa ocê num vai levá esses tamanco não. Nesse momento o ladrão tentou correr, mas o fardo que ele carregava lhe deu a maior queda. Os tamancos, e sandálias se espalharam por toda a rua. O guarda noturno alcançou o gatuno e descobriu a sua verdadeira identidade. Ali formou-se uma multidão. Os moradores das pensões e os boêmios foram até a praça. Quando tiraram o capuz, sob a luz dos postes, presenciaram a imagem do seu Alceu retratista com o seu bigodão tradicional. Ele, aos prantos, tentava justificar os seus atos. Diante do guarda noturno afirmou que roubava os tamancos e sandálias para cheirar o perfume feminino das mulheres elegantes. O larápio nunca relacionara-se com mulheres por causa de sua horrível corcunda que o afastava até das prostitutas. Ele passou a noite na cadeia, mas foi solto com a promessa de devolver os quinhentos pares de calçados guardados no quitinete de madeira embaixo do viaduto Modesto Borges. Lá o seu Alceu guardava também, com muito carinho, os tamancos da dona Iolanda, a freguesa número um da praça, e o amor da sua vida. Durante a busca o guarda noturno ainda encontrou algumas sombrinhas das freguesas do Carreirinha. Mas o roubo desses objetos não foram atribuidos ao seu Alceu. A polícia desconfiava da existência de outro ladrão,. Mais uma missão para o guarda noturno.

Levi Oliveira
Enviado por Levi Oliveira em 31/12/2018
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