ESPECTRO
Eu deveria ter por volta de cinco anos e, desde então, nunca mais me esqueci de um sonho, ou de um pesadelo, em uma noite por demais conturbada para uma criança naquela idade. De todos os inúmeros sonhos, ou pesadelos que tive no decorrer de toda a minha vida, aquele sem dúvida permanece nítido em minha memória com todos os detalhes aterrorizadores. Todas as vezes que me recordo daquela noite e, por mais que tente esquecer não consigo, confesso que tenho calafrios e certo medo ao descrevê-lo, quer seja numa sessão de análise ou em roda de amigos. Ainda me causa calafrios ao lembrar.
Morávamos numa pequena e modesta casa e dividíamos o dormitório, eu e o meu irmão, quatro anos mais velho que eu. Casa simples, tão humilde que não havia uma porta entre o corredor e o aposento, mas sim uma cortina de tecido claro. A cama do meu irmão ficava próxima à porta, enquanto que a minha mais ao fundo, onde proporcionava uma ampla visão da entrada. Naquela noite não consegui conciliar o sono, ou na verdade devo ter adormecido e sonhado, sei lá. Não consigo precisar o horário, a escuridão dominava o ambiente.
Todos já haviam adormecido, mas eu percebi um vulto estático de uma pessoa por detrás da cortina da porta de entrada. Fixei o olhar em direção ao vulto e ele continuava inerte. Com muito medo cobri a cabeça e fechei os olhos por alguns segundos. Mas um impulso me fez abrir os olhos e afastar o lençol de minha cabeça para certificar se ele ainda estava lá. Nesse instante o homem ultrapassara a cortina e então pude ver, mesmo na penumbra, que se tratava de alguém com estatura alta, com vestimentas de cetim, próximas da cor vermelha e um chapéu cone na mesma tonalidade. Pelo pescoço desciam até aos pés várias fitas floridas formando uma espécie de estola. As mesmas fitas adornavam as longas mangas da vestimenta, assim como a aba do chapéu cone.
A moldura da porta e a cortina deram lugar a uma urna funerária aberta na vertical. A figura olhava para a cama do meu irmão e em seguida dirigia o olhar para mim. Tentei fechar os olhos e ele avançara um pouco mais. Percebi que se mantivesse os olhos abertos em direção a ele o mesmo permaneceria estático. Ao contrário, quando eu desviava o olhar ele avançava em minha direção.
Sem a percepção do tempo, lembro-me que travamos uma exaustiva luta, eu tentava a todo custo com olhos abertos manter aquilo imóvel, mas pouco a pouco minhas forças esgotaram e as pálpebras já não me obedeciam. A figura passara pelo leito do meu irmão e estava próximo ao meu. Quis gritar, mas não emitia qualquer som. Quando o espectro se aproximou de pronto saltei da cama e finalmente consegui soltar a voz acordando meus pais, que assustados se limitaram a me dar bronca e a comentar que não passara de um mero terror noturno.Roguei que mantivessem as luzes acesas, mas meu pedido fora em vão.
Acredito que tenha sido a noite mais longa de toda a minha vida, passei o tempo todo olhando para a porta acreditando que assim evitaria que aquilo voltasse.
Finalmente amanhecera e eu ainda atônito e pronto para ouvir a resenha sobre o menino medroso, porém meus pais me pouparam e não teceram qualquer comentário a respeito do ocorrido. Criança que era, passava o dia brincando. Então fui empinar o meu papagaio, mas para tal proeza necessitava de linha, Decidi xeretar a caixa de costura de mamãe em busca de um carretel. Ao abri-la tomei um grande susto, junto aos apetrechos de costura estava um rolo de fita tal qual o que adornava o personagem do meu pesadelo.
Anos mais tarde, já na adolescência, comentei com o meu irmão sobre o que acontecera àquela noite. Para minha surpresa ele também passou por um momento semelhante, provavelmente à mesma época, Todavia, fora uma experiência tão assustadora para ele que preferia não lembrar.