Quando o coração se fecha e só palavras importam ( ou ode ao hipocrita)
E te digo mais, continuou o mendigo: sei que minhas roupas estão sujas e rasgadas. Que meu corpo, exposto, envergonhada aos outros e também a mim. Meus dentes estão pobres, meus cabelos ensebados e fedem. Sou um ninguém que perambula pelas ruas sem que me notem. Quando chego perto das pessoas, sou xingado, humilhado. Me ofendem somente porque lhes pareço um estranho. Quando isso acontece, fico triste. Não fico triste porque me negaram um pão ou uma moeda. A tristeza vem porque sei que muitos que fazem isso, não vêem com os olhos do coração, por isso, me olham como um monstro. Por isso me ofendem e empurram. Certa vez, estava eu perto de um templo. Centenas de pessoas saíam e falavam sobre Deus. Falavam o quanto tinha sido lindo o culto. Que o padre, homem de Deus, tinha pregado amor ao próximo. Nesse mesmo instante, a mais efusiva das participantes do culto, ao passar por mim, me aponta "esse é um perdido, nem Deus pode salvar", disse e teve concordância dos demais. Eu fiquei calado. Chorei muito. Chorei por ela, chorei por Deus, chorei por Cristo. Chorei porque quando a miséria do Outro é do espírito, eles que tanto louvam o espírito, não adianta entrar em templos e decorar versículos. Essas palavras, quando ditas sem sincera harmonia, nada dizem. Eu, que atentamente ouvia o mendigo, notava que havia nele - mesmo que sujo, sem dentes e roupas rasgadas - um certo brilho. Sua sabedoria do mundo era tanta que àquelas pessoas, saídas do culto, pareciam crianças perdidas. Dias depois, ouvi na vizinhança, alguém dizer que o mendigo morrera de frio. Estava com outros mendigos debaixo do alpendre da igreja; ela estava fechada, não era dia de culto.