Prontuário 127
A folha de papel amassada pelo correr dos dias que muda tudo, exceto o vazio da sua ausência, assim como meu coração, está partida ao meio.
Duzentos e vinte e cinco dias que o inevitável, indesejável e insuperável aconteceu, mas o papel continua grudado na porta da geladeira com a informação rabiscada a lápis que, outrora, em nenhuma hipótese, eu poderia esquecer: prontuário 127.
A minha mente, como forma de suportar a realidade, não permitiu que, nesse tempo, eu o percebesse. Até o via, mas meu cérebro não conseguia processar a informação.
Mas, naquele momento, consegui percebê-lo, talvez porque estivesse destoando da decoração de Natal.
"Vou arrancá-lo antes que os convidados cheguem", pensei como se tratasse de alguma frivolidade.
Assim, estendi o braço e a ponta dos dedos que, após percorrer um caminho muito longo de trinta centímetros e uma saudade, encostou no papel.
Apesar da reação de naturalidade inicial, no fundo sabia que iria precisar de toda a coragem e sensatez para aceitar a inutilidade atual daquele papel e assim arrancá-lo.
Passei um tempo sentindo apenas a textura...
Na tentativa de conter as lágrimas, em vão, fechei os olhos com a força de quem não quer enxergar o óbvio.
Quando o ponteiro do relógio se movimentou dezesseis vezes, puxei o papel, mas ele não veio.
Então abri os olhos e vi que ele não estava preso apenas pela força do ímã. Dei-me conta que tirá-lo era, no fundo, admitir um fato que tenho tentado negar nesse tempo, era como enterrar você mais uma vez.
Não sabia o que fazer quando, de repente, a campainha tocou.
Enquanto tirava lentamente os dedos do papel, as letras escritas nele se tornaram novamente turvas e parte da mobília.
Então corri em direção à entrada para atender aos convidados. Ufa! Havia sido salva daquele momento de lucidez.