A Princesa Mulambo

Capítulo 1

O início de uma vida

A estória a seguir poderia ser apenas mais um corriqueiro caso de uma bebê recém nascida jogada na lixeira, resgatada por policiais e enviada a um orfanato qualquer. Mas Jeniffer (nome dado pelos policiais que a resgataram da lixeira) tinha uma estrela consigo, que demorou um pouco a brilhar.

Jeniffer sempre percebeu que tinha algo de especial, pois sempre admirava no espelho seus belos olhos castanho-claros que faziam uma combinação pitoresca com sua pele cor-de-jambo e com seus cabelos negros e naturalmente lisos. A vida nem sempre era boa no orfanato, pois a maioria das crianças eram revoltadas e tudo era motivo pra apelidos e até para brigas. Certa vez, aos 7 anos de idade, Jeniffer assistiu com as outras crianças do orfanato ao desenho animado da Princesa Mulan. Ao ver a grande semelhança física entre ela e a personagem do desenho, Jeniffer foi logo dizendo:

- Eu sou como a Princesa Mulan! Só não tenho o glamour.

As outras crianças riram em coro e uma menina disse:

- Tu é a princesa mulambo! Isso sim!

As outras crianças riram mais alto. Um menino disse:

- Ah, Mulambo! Tu nunca vai ser princesa! Vai ser sempre a Maria Mulambo!

Jeniffer voltou para o quarto chorando com as mãos sobre o rosto, sendo seguida por várias crianças que gritavam em coro:

- Maria Mulambo! Maria Mulambo!

Daquele dia em diante, todos (Até mesmo os funcionários!) deixaram de chamá-la pelo nome e passaram a chamá-la por “Mulambo”, como se este fosse o nome dela. Quando ela tentava se defender, era agredida por uma criança qualquer ou era simplesmente repreendida por algum funcionário. Todos agiam como se estivessem cobertos de razão em impor o apelido à pobre criança e como se ela estivesse totalmente fora da sua razão ao tentar defender-se. Jeniffer nunca se conformou com a ideia de ter um apelido tão grotesco. Por isso todos os dias, tentava defender o seu direito de ser chamada pelo verdadeiro nome e era agredida por isso com socos, tapas na cara ou chutes, ora por outras crianças, ora por funcionários. Depois de quase um ano assim, Jeniffer já não aguentava mais aquela situação. Aquela menina entrou em depressão profunda e estava morrendo aos poucos. Só uma adoção a salvaria da morte.

Capítulo 2 - Uma maldição na vida de um casal

Lindalva e Homero eram casados há 10 anos. Porém, por conta de uma grave doença que a tornava estéril, Lindalva nunca conseguiu engravidar. E depois de dez longos anos na luta pela tentativa de uma gravidez, a doença se agravou, forçando Lindalva a fazer uma cirurgia para remoção do útero, que estava altamente infeccionado e irrecuperável. E por conta da grave infecção, o útero dela “ameaçava” infectar os órgãos satélites a ele. Após a cirurgia, Homero foi ver a esposa. Ao chegar perto da maca, ele viu a mulher com uma expressão de tristeza tão intensa, que cortava o coração. Aquela mulher estava arrasada. Era como se uma parte dela tivesse morrido naquela cirurgia. O maior sonho da vida dela (ter um filho) estava morto e enterrado. Homero viu a sua esposa chorando copiosamente na maca do hospital. Ele colocou a mão esquerda sobre as mãos dela. Ela o abraçou e disse chorando:

- Eu quero morrer!

- Calma. Tudo tem um jeitinho.

- Um jeitinho como?? Não tem mais jeito! A minha vida acabou! Eu quero morrer!

- A gente pode arrumar uma barriga de aluguel.

- Não! NÃO!

- A gente pode adotar uma criança.

- Não! NÃO! DEFINITIVAMENTE NÃO! Eu quero uma que seja sangue do meu sangue! Eu quero ter o direito de gerar uma vida! Como todas as outras mulheres do mundo têm!

- Nem todas as outras mulheres do mundo têm.

- Como assim??

- Você não é a única e pegar essa doença. Nesse momento, milhares de mulheres pelo mundo afora estão passando pela mesma situação que você. A vida é muito injusta, concordo. Tanto é que algumas entre as mulheres que tiveram esse direito, abandonaram os filhos recém nascidos em lixeiras ou em orfanatos, ou simplesmente criaram até 4 ou 5 anos de idade e depois jogam na rua pra virar pivete.

- Então... Quem faz isso é que era pra pegar essa doença. E não uma mulher direita como eu, que só queria ter um filho, nada mais.

- Mas existem erros da natureza que podemos consertar.

- Como assim?

- Se adotarmos uma criança, estaremos consertando esse erro da natureza. É como se estivéssemos transferindo a tua doença para a desconhecida que abandonou aquela criança. Entendeu?

- Mais ou menos. Você às vezes tem um jeito estranho de ver a vida.

No dia seguinte, Homero conseguiu convencer mais ou menos Lindalva a adotar uma criança. Meio a contra-gosto, ainda muito atordoada pelos recentes acontecimentos e ainda sem aceitar direito a realidade dos fatos, ela o acompanhou a um orfanato.

Capítulo 3 - O encontro entre vidas que se completaram

Homero e Lindalva chegaram ao orfanato, decididos a levar uma criança. Não importava se seria menino ou menina, o que importava era “consertar” o “erro da natureza” que acabara de ocorrer. Ao chegar à sala de atendimento, uma menina cor-de-jambo entrou correndo por uma porta, chorando e sendo seguida por uma funcionária que a agarrou pelo braço. A menina disse:

- Não!

A funcionária deu-lhe um tapa no rosto e disse:

- Você vai pra sala de vídeo sim! Junto com as outras crianças!

Lindalva disse:

- Que moreninha linda!

A funcionária respondeu:

- É, mas o que tem de linda, tem de rebelde a malcriada, viu moça?

Lindalva perguntou:

- Mas de onde saiu essa criança?

A funcionária respondeu de modo ríspido e grosseiro:

- Ah, foi mais uma bebê regatada da lixeira, certamente filha de alguma prostituta suja. Antes tivesse morrido na lixeira, teria sido bem melhor!

Aquelas palavras foram como uma facada no coração de Jeniffer. A menina demonstrou uma expressão que misturava espanto e tristeza. Lindalva perguntou:

- E qual é o nome dela?

Sem olhar para trás e puxando a menina pelo braço, a funcionária respondeu:

- Maria Mulambo!

Jeniffer se defendeu:

- Mentira! Meu nome não é esse!

A funcionária deu outro tapa ainda mais forte no rosto da menina fazendo-a gritar:

- AIÊ!

E apontando-lhe o dedo, disse:

- Não me chama de mentirosa, sua vagabunda!

Jeniffer prontamente respondeu:

- Sua covarde! Vai bater em alguém do teu tamanho!

A funcionária esbravejou:

- Como é que é, sua desgraçada!?

E deu outro tapão na cara da menina, fazendo um filete de sangue escorrer pelo canto direito da boca e arrancando dela outro grito mais alto:

- AAAIII!!

A funcionária disse em seguida, segurando firme o braço da menina:

- Repete!! Repete que eu quero ver!!

Homero, ao ver a cena, disse:

- Calma aí! Pra que tanta violência com a menina? Ela é só uma criança! E além do mais, não é possível que esse seja o nome dela registrado em cartório!

A funcionária olhou para Homero com olhos de fúria e disse:

- Ta com peninha? Então leva ela pra você!

E jogou Jeniffer pelo braço, fazendo-a cair de frente no chão. Homero e Lindalva ficaram espantados com o que acabavam de presenciar. O casal ajudou a menina a se levantar e com expressão de desespero, Jeniffer disse aos prantos, olhando nos olhos de Lindalva:

- Me salvem! Eu tô passando o inferno nesse lugar!

Lindalva quase chorou ao abraçar a menina e dizer:

- Calma, hoje foi o teu último dia nesse inferno.

Os olhos de Jeniffer brilharam, ela sorriu entre as lágrimas e abraçou a sua futura mãe ainda mais forte, chorando de emoção dessa vez. Homero disse:

- Nós vamos adotar essa menina, mas quero o nome dela correto, o registro dela no cartório.

Jeniffer ganhou o sobrenome dos seus novos pais, conforme a tradição brasileira, um sobrenome da mãe: “da Silva” e um sobrenome do Pai: “Aguiar”. E assim, Jeniffer da Silva Aguiar viveu sua juventude plena e feliz, brincou bastante na infância, estudou na juventude até se formar advogada. A "Ex-Princesa Mulambo", que agora tinha o direito a uma vida plena e feliz, viveu intensamente cada dia de sua vida.

FIM

Eduard de Bruyn
Enviado por Eduard de Bruyn em 25/12/2018
Reeditado em 25/12/2018
Código do texto: T6535106
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