O acidente abençoado
(Conto do livro Emoções poéticas V - Futurama editora, 2018)
Às nove horas da manhã de uma sexta feira de sol, na principal avenida da cidade Literacity, no trânsito ainda tranquilo, quando o senhor Olin estava seguindo com seu carro pelas ruas, dirigindo sem agonia até quando o semáforo de uma longa avenida ficou vermelho à sua frente, sendo obrigado a parar. Logo atrás estava outro veículo com um motorista desesperado, buzinando desde certo tempo atrás na avenida, que sem perceber perdeu a frenagem e colidiu no fundo do carro da frente, aonde estava o senhor Olin, que se assustou.
- Poxa! O que foi isso?
Descendo do veículo, Olin viu o que aconteceu, ao tempo em que o infrator saiu do carro de trás revoltado dizendo:
- Não vou pagar zorra de nada. Ainda bem que meu Celta não teve muito estrago e o seu carro também não, mas hoje é o meu dia de azar. Logo agora que eu estava indo matar a mulher que o está me traindo? Sou caminhoneiro, casado há sete anos, e separado há dois meses, porque o povo da rua dizia que ela não era fiel comigo quando eu viajava. Ela ficou com a casa, e estão dizendo que ainda leva outros homens para lá. Uma amiga da rua mandou um zap dizendo que tem um cara lá dentro agora, que chegou na noite passada, entrou e botou o carro na garagem e está lá.
Claro que a situação poderia ficar ainda mais incontrolável, então Olin teve uma ideia:
- Tenha calma. O sinal abriu, vamos pegar os carros e descer um pouco a avenida até achar um lugar para estacionar os carros e conversar.
- Meu nome é Rodatam. Vamos!
Entraram em seus veículos e desceram a ladeira. Ao encontrarem um bom lugar, desceram e Olin começou a falar de Deus, e que aquela situação não se resolveria com a morte da mulher. Explicou:
- Rodatam, eu sou casado há mais de vinte anos e o seu problema pode estar na escolha errada. Nós somos diferentes. Às vezes o problema somos nós mesmos, mas no seu caso eu entendo o desespero e a chateação. Tenha calma, pois se ela fez isso com você, vai fazer com outros e encontrará o que merece.
O desesperado, já mais tranquilo, falou:
- Já me acalmei. E agora, o prejuízo do seu carro, como resolver?
- Pague somente a lanterna, que a chaparia eu vou mandar consertar.
Rodatam orientou onde encontrar a peça e ligou para o dono entregar. Trocaram números de telefone e ele resolveu voltar para a casa de onde havia vindo. Olin foi à loja combinada, pegou a peça, e no meio da semana levou o carro na oficina de um amigo, explicando a situação e o preço ficou razoável.
O assunto foi encerrado, até que no sábado seguinte, logo cedo, Rodatam mandou uns áudios no zap para Olin:
- (Áudio 1) Amigo, você foi um anjo que Deus colocou em minha via. Não sei se eu não lhe encontrasse naquele dia o que seria hoje da minha vida. Sabe o que aconteceu?
- (Áudio 2) Aquela mulher está no hospital toda quebrada. Uma amiga acaba de me dizer que um amante taxista atual que estava com ela, disse para a mulher que iria viajar para fazer uma corrida, e que só voltaria depois de dois dias.
- (Áudio 3) O problema foi que a viagem foi cancelada e o camarada resolveu fazer uma visita surpresa ao seu amor fiel, pois ele já tinha até a chave do portão da garagem, onde ele botava o carro. Ao abrir aquele portão, viu um carro dentro da garagem. Ele estranhou, porque ela não possuía nenhum veículo. Arrodeou a casa e viu pela cortina fina da janela do quarto a cena erótica, tirou algumas fotos do casal no celular, vendo o maior “love”, além de um litro de vinho na cabeceira da cama aonde ele dormia toda noite.
Agora leitor, imagine se aquele corno estivesse armado, poderia ter acabado com a vida da e do amante, mas preferiu bater na janela gritando palavras de corno. O safado do “Ricardão” saiu na correria pela porta da frente, vestindo na pressa apenas a calça, sem a cueca, deixando a mulher no quarto e o carro na garagem. O corno era o amante taxista, que pegou um arreio de cavalo que estava pendurado num prego da garagem e entrou em casa e deu umas tacadas na mulher. Ela gritava:
- Olha a lei Maria da Penha! Maria da Penha, me acuda! Vou falar com a juíza, seu corno miserável!
E ele nem respondia, mostrando o que estava nas mãos:
- Olha aqui para você, um arreio de cavalo! Égua só aprende na surra!
Pois é, a amiga contou tudo a Rodatam:
- Quando o homem que estava batendo cansou, pegou o carro e saiu calmamente daquela casa, deu boa noite a uns vizinhos que estavam sentados na porta da casa da frente. Poucos minutos depois, ela machucada ligou para um casal de amigos da rua e pediu para levá-la ao hospital. Após uns cuidados médicos, perguntaram quem foi, mas ela só explicava:
- Foi um ladrão. Eu estava em casa sozinha e não teve ninguém para me ajudar, mas o ladrão não levou nada. Eu acho que ele estava com muita pressa.
- A senhora quer prestar queixa? – perguntou o médico.
- Pra quê doutor? Se eu nem vi direito quem foi? Estava escuro. Nem está doendo tanto.
Isso ocorreu na noite da sexta feira, exatamente na semana seguinte à data da colisão dos veículos de Olin e Rodatam.
No sábado, próximo ao meio dia, o telefone de Olin tocou, e era o amigo Rodatam, contando toda a história para Olin, e ao final informou:
- Obrigado amigo. Você foi meu Anjo do céu. Coincidentemente nesta semana eu fui convidado para trabalhar com o meu caminhão numa empresa de uma cidade distante uns 2.000 km daqui. Vendi o Celta depois do conserto. Pense numa oferta muito boa que recebi.
O amigo satisfeito ainda perguntou:
- Mas você vai morar lá? Hoje teve mais alguma notícia da mulher?
- Você nem sabe. A mulher acabou de me ligar, acredita? Eu disse a ela: Estou indo embora, a mala já está lá fora, por favor não implora, porque o homem não chora, dona Izadora. Como não tive filhos com ela, vou deixar os problemas dela com ela e vou tentar recomeçar nova vida longe daqui. Não livrei do acidente, mas me livrei das cornadas dela. Eu posso dizer que foi uma bênção!
(Esta é uma obra de ficção. Sabemos que a solução desse tipo de problema não é esse, mas que poderia ter sido evitado)