Aconteceu no natal
-ô moço! Mim dá uma ismola pelo amô de Deus!
Era o que dizia um garoto, com aparência faminta e maltrapilha, e continuou:
-eu to cum fomi. Minha mãe tamem. Minha irmãzinha ta duente e o dotô falô que só cuida dela se tive dinheiro!
-sabe moço, eu sei que ta chegano o natal e eu quiria podê ta no lugá do meu papai noel pra podê dá tudo aquilo qui elas tão quereno.
-meu pai foi imbora há muito tempo. Minha mãe falô que ele foi pra junto de Deus. É que eu sinto muita saudade dele, sabe!
Sentei-me junto a ele na calçada e com profundo constrangimento, pedi para que o garoto parasse de contar a sua história. Naquele momento eu já estava me sentindo profundamente agoniado.
Vieram em meus pensamentos a indiferença da sociedade, a falta de compreensão, quando há outras tantas crianças que querem compreender seu próprio destino. Crianças que rejeitam o alimento que tem à mesa, quando há tantas outras comendo migalhadas para saciar a fome. Pedidos tresloucados de brinquedos, quando há crianças, como este menino, precisando salvar sua família da mais absoluta miséria....
-moço, o senhor ta passando bem?
Lágrimas molhavam minha face e mesmo com tantos problemas, esse menino ainda se preocupava comigo.
_Estou sim garoto, estou bem sim.
- eu posso ajuda o sinhô? Qui qui eu posso fazê pro sinhô ficar melhor?
O garoto não entendia, mas dentro de mim crescia uma revolta alimentada pela injustiça social...
_nada não garoto! Só estou me desabafando.
-qui que é isso moço?
_talvez você compreenda quando crescer!
-ah! quando eu crecê eu vô é cê doutô. Vou ajudá todo mundo a ficá bão. E não vai pricisá dinheiro não. Eu vô curá quarqué pessoa. Vô sará minha irmã qui ta duente e minha mae não vai passa mais fome não sinhô!
_ que Deus ilumine seu caminho, garoto! E que você consiga tudo que deseja!
Em plena época de natal e me deparo com uma situação dessas! Fui encontrar num garoto de rua tudo aquilo que procurava em livros ou pessoas letradas...
_mas me diz uma coisa, garoto! O que vice quer de presente de natal?
-quero nada não moço! ¬
_como assim? Todos os garotos de sua idade querem ganhar presentes! Por quê você não quer?
- num adianta eu querê presente moço, eu sei qui num vô ganha mesmo. Num quero sofrê mais.
_você é muito novo. Qual é a sua idade?
-dez anos moço. Eu chamo José, qui nem meu pai!
-e o sinhô?
_meu nome é Roberto e tenho muitas vezes a sua idade, infelizmente.
- sabe moço, eu quiria sê grandi qui nem o sinhô! Quiria conhece muita coisa. O sinhô já foi em muitos lugá, e tamem num passa fome qui nem eu qui preciso pidí ismola! Tem vez qui fico até cansado!
- o sinhô já ganhô muito presente moço?
_O único presente que a vida me deu foi a força para lutar pela minha sobrevivência. É exatamente o que você está fazendo agora garoto!
- moço, eu posso dá um presente pro sinhô?
Eu, espantado respondi que sim e fiquei a pensar que tipo de presente aquele garoto poderia me dar além da lição de vida que até agora aprendi...
- toma moço, é uma cruz qui meu pai mim deu antes de i imbora! É um presente de natal pro sinhô!
_ Que isso gatoro! Eu não posso aceitar isso! É muito importante para você! Foi seu pai quem lhe deu este presente!
-sabe qui é moço? É que toda vez qui eu vejo ela, mim dá uma saudade do meu pai, uma vontade de chorá que num vale a pena ficá com ela. Aceita moço por favor!
Agradecido, peguei a cruz e fiquei olhando intensamente para ela. Levei o garoto a uma padaria ali perto e comprei várias coisas para ele, na verdade, tudo que ele queria e podia olhar.
O garoto já nem falava mais. Só sabia chorar. Era talvez, a maneira mais sincera de agradecimento que poderia vir daquele garoto.
O menino saiu correndo da padaria, provavelmente em direção a sua casa, gritando alucinado pela rua.
Coube a mim retornar ao meu mundo, meu caminho em direção que me levaria a uma realidade bem mais cruel....
-ô moço! Ô moço! Péra ai! Eu isquici de dizer uma coisa!
Virei-me assustado com tanta gritaria e....
_o que foi garoto? O que está acontecendo?
-eu isquici de dizê feliz natal pro sinhô!
Lágrimas.....