Conto das terças-feiras – O irracional Coriolano
Gilberto Carvalho Pereira, Fortaleza, 11 de dezembro de 2018
Alguns dos trabalhadores de um certo centro de pesquisas eram denominados auxiliares de campo e serviam de ajudantes dos pesquisadores quando em trabalho de campo. Um desses pesquisadores estudava plantas adaptáveis a áreas alagadas, para proteção do solo.
José Marreta era o responsável pela área do pesquisador. Todas as manhãs ele era obrigado a entregar um relatório descrevendo os acontecimentos do dia anterior e da noite. Ele era minucioso, exigência do pesquisador. Era uma folha de papel onde ele respondia perguntas inerentes ao projeto em andamento, tais como: quantas plantas morreram, quantas estão para morrer, se choveu, quantos milímetro – tinha um pluviômetro na área, se caiu barreira no rio, se alguma árvore da área caiu e danificou alguma parcela experimental etc.
Marreta, porque era muito forte, antes de assumir essa incumbência, passou três dias em estágio de treinamento, ele e outros, mas o escolhido foi ele. A responsabilidade era grande, os outros auxiliares estavam subordinados ao responsável. Ele levava a sério o seu trabalho, os colegas de trabalho o chamavam de doutor leva-e-traz, porque entregava quem não estava trabalhando direito.
Certo dia, ao chegar no projeto, ele tomou um susto. Havia muita confusão na área. Mudas de plantas para todo o lado. O solo todo pisoteado, cerca caída, parecia que tinha passado por ali um vendaval. Não tinha nada mais a fazer, a não ser correr para contar ao pesquisador do ocorrido, já tinha descoberto o que causou toda aquela confusão. Seu corpo tremia, pois sabia que era dinheiro jogado fora, na concepção dele, muito dinheiro. As mudas foram adquiridas, segundo lhe disseram, em outro país, a preço muito alto. Dias de trabalho perdido, calcário de adubos jogado fora. Marreta entrou em desespero, mas tinha que participar o desastre para o doutor.
Ao entregar o relatório sem as informações pedidas, o pesquisador virou uma fera. Ameaçou colocar Marreta para fora do centro de pesquisa, se ele não tivesse uma explicação aceitável.
— O que aconteceu, onde estão os dados levantados hoje? Onde você esteve o dia todo que não me trouxe isso mais cedo?
Marreta balbuciava e tremia muito:
— Foi, foi o Coriolano que entrou na, na, na área à, à noite, respondeu ele.
— Como ele entrou? Quem deixou? O que ele queria lá? Perguntas feitas aos berros, o que deixava o auxiliar mais nervoso ainda.
— Ele quebrou a cerca, disse mais do que depressa o ajudante.
— Traga esse tal de Coriolano até a mim, vou mandar demiti-lo.
— Coriolano é um burro, doutor, tentou se justificar Marreta.
— Ele só pode ser um burro, pois quem já viu entrar na área de pesquisa de outra pessoa e fazer uma desgraça dessa, vociferou o doutor já colérico.
— Ele é um burro de verdade, doutor, daqueles que relincha, falou o auxiliar.
Caindo na real, o pesquisador foi até à área para verificar o estrago, para aquilatar o prejuízo, dois anos de pesquisa, que seria tema para o seu doutorado, tudo jogado fora. Ele baixou a cabeça e começou a chorar. Pediu desculpa ao ajudante e recebeu dele um consolo.
— Amanhã vamos começar tudo de novo. Procurarei fazer o meu melhor, vou pedir que construam uma casinha de madeira para eu fazer vigília noturna, até o senhor ter todos os dados que vai precisar.
O pesquisador sorriu, pediu a mão do auxiliar para levantar-se e foi embora, cabisbaixo.