Nossas mais sinceras desculpas

O folheto amarelo, colado pelos muros de Manhattan a partir de outubro de 1980, não desejava passar desapercebido aos olhares dos transeuntes apressados. Em grandes letras pretas, ele convidava CRIMINOSOS (amadores, profissionais, de colarinho branco ou macacão de fábrica etc) a confessarem anonimamente seus mais recônditos e sombrios segredos por um número telefônico, numa ligação que seria gravada por uma secretária eletrônica. A iniciativa não partira da polícia ou de alguma organização religiosa, mas de um artista conceitual, assombrado por seus próprios malfeitos.

- O que pensava ao criar este serviço? - Lhe foi perguntado numa entrevista, alguns anos depois.

- Se você fez algo de errado na vida, ligar para a minha secretária eletrônica poderá lhe dar um meio de pedir desculpas, encontrar algum consolo neste ato, e tentar recomeçar sua vida - declarou ele. - Não é minha tarefa julgar nem perdoar ninguém, e as confissões, que devem ser feitas a partir de telefones públicos para evitar que sejam rastreadas, permanecerão necessariamente anônimas, embora eu pretenda reproduzir algumas delas numa instalação artística que estou planejando montar.

- Alguma gravação o impactou pessoalmente?

- Houve esse homem, com um sotaque forte, que declarou ter sido soldado do exército imperial japonês na II Guerra... não sei o que estava fazendo em nosso país, talvez hoje seja apenas um pacífico homem de negócios ou turista... ele disse ter se admirado do pedido de desculpas feito pelo governo dos EUA aos cidadãos de ascendência japonesa, que foram confinados em campos de concentração durante a II Guerra sob a suspeita de que poderiam espionar para o inimigo. Ele revelou ter praticado inúmeras atrocidades contra civis desarmados na China e nas Filipinas durante seu período como militar, e que nunca lhe ocorrera pedir desculpas por isso, pois era parte da guerra e ele apenas cumpria ordens do seu governo. Todavia, quando tomou conhecimento de que o nosso próprio governo reconheceu seus erros e sua arbitrariedade contra membros inocentes do seu próprio povo, apenas por serem de uma outra etnia, ele começou a pensar se ele, indivíduo, não deveria pedir desculpas pelos próprios atos, já que o governo japonês talvez jamais faça isso... ao menos não na dimensão que seria necessário, perante as atrocidades coletivamente cometidas.

- Ao reconhecer os erros cometidos por uma administração passada, o governo dos EUA admitiu que há uma continuidade orgânica, e que culpar antigos governantes não seria reconhecer a a dor e sofrimento causados em nome do Estado.

- Precisamente. Mas, como disse, não cabe a mim julgar, nem é este o objetivo do meu trabalho. Mas isso deveria fazer pensar a quem de direito.

- Os japoneses são muito polidos e vivem pedindo desculpas... mas talvez creiam que já se passou muito tempo, e que, quando morrerem os últimos ofendidos, a história deles também será esquecida.

- Para isso servem os registros, as gravações... como as da minha secretária eletrônica.

- [05-12-2018]