FELIZ NATAL.
Nem bem o sol deu o ar de sua graça e Ronaldo, 27 janeiros de um triste existência, saiu de seu barraco na favela Oliude, às margens do rio Tietê, em São Paulo. Acostumado ao ar poluído, ao esgoto a céu aberto, a tantas coisas. Órfão. Viveu até os sete anos num educandário. Fugiu. Foi morar com meninos de rua. Resgatado por um tio, foi levado pra Jaú, no interior do estado. Quatro anos de trabalhos forçados e humilhações. Fugiu. Frequentara a escola por dois anos apenas. Às duras penas. De carona com caminhoneiros foi pra Campinas e depois São Paulo. Adotado por uma catadora de papelão, tia Neiva, de sessenta anos, ele tinha um lar e alguém pra chamar de mãe. Moravam debaixo da ponte do Limão. Tia Neiva lhe dava comida, carinho e sábios conselhos. Falava de um Deus amoroso e que não descuida de seus filhos.-" Jamais use drogas. Faça o bem sem interesse." Era o lema de vida dela. Mulher forte de saúde frágil. Trabalho de sol a sol. Ajudava a senhora a catar materiais nas ruas. Ele tinha dezoito anos quando ela se foi, vítima de uma bala perdida. Ronaldo perdeu o chão. Perdeu a mãe adotiva. Perdeu o rumo mas encontrou Edileuza no velório. Amor a primeira vista. Ele se mudou para o barraco da moça. Ela tinha dois filhos de outro relacionamento. Diego, dez anos. Deivid, sete anos. Amor a primeira vista entre eles. Pareciam pai e filhos do mesmo sangue tamanha sintonia e carinho. Um ano depois nasceu Lucas. Ronaldo herdou o carrinho de coleta da tia Neiva. Véspera de natal. Os meninos comeram Miojo no almoço. A família ganhará duas cestas básicas da pastoral dos vicentinos, da igreja católica mas Ronaldo e Edileuza dividiram os alimentos com os vizinhos. A tardinha, Ronaldo saiu pra rua. -" Onde vai, homem? Sossega!!!" Disse Edileuza. -" Vou andar. Tá chuviscando!!! Tem muito papelão nesse dia!!!!" Ela sorriu. Sabia que ele não curtia muito o Natal. Época que seus pais morreram na estrada, vítimas de um louco embriagado. Tia Neiva partira nessa época. Os meninos não ganhariam presentes, como todo ano. Ele ia andar por horas e retornar. Como sempre!!! Ronaldo olhava as luzes e enfeites natalinos. Uns com tão pouco, outros com tanto!!! Pensava.
O shopping Eldorado. Estacionamento lotado de carros de luxo. Procurou algo pra comer nas lixeiras. Era invisível para todos, menos para o segurança que o enxotou dali. -" Cai fora, malandro!!!" Barbudo, cabeludo, roupas velhas e uma gaze na perda da ferida mal curada. O segurança se afastou. Uma moça veio até um carro novo. Sacolas pesadas cortando os pulsos. Presentes caros. Sacolas de lojas de grife. A moça com óculos Anna Hickmann. Ronaldo correu até ela. -" Eu ajudo!! Eu ajudo, senhora!!!" Carregou as sacolas por vinte metros. Ela sorriu. Dentes brancos, lindos e perfeitos como comercial de creme dental. -" Obrigada!!!" Ela abriu o carro. Ele colocou as sacolas no bagageiro. A chuva fina. Ela sorriu. -" Obrigada, moço. Feliz Natal!!!" Ronaldo sorriu. Nenhuma moeda!!! -" Feliz Natal!!!" Ela nem ouviu. Entrou no carro e saiu cantando pneus. Pessoas bem vestidas saiam do shopping e do hipermercado, preocupadas com a ceia, com presentes. Anoiteceu. Ele passou por uma igreja. Os cantos o faziam chorar, principalmente Noite Feliz!!! Entrou, viu o presépio e saiu. Achava engraçado aquele bebê cercado pelos pais, animais, pastores e anjos. -" Tchau, Jesus. Feliz Natal!!!" Disse. A igreja foi se enchendo de gente bem vestida. Ele saiu. Uma viatura policial o interpelou. Registado e liberado.-" Vai pra casa, vagabundo!" Gritou o policial. Passou pela praça. Um livro de 400 páginas de um romance de Nora Roberts estava esquecido num banco. Ele o apanhou. Capa nova. Livro bom pra escorar o armário da cozinha. Pensou ele!!! Dois moradores de rua, Lucas e Miguel, o chamaram. -" Ei, Ronaldo!! Estão distribuindo comida e brinquedos no largo do cemitério!!! São os voluntários!!! Vamos!!!" Resolveu ir. Poderia levar um brinquedo pras crianças, quem sabe!!! Andou por meia hora. A perna doía mas valia a pena pelas crianças. Já antevia o sorriso delas. Ficou no fim da fila de duzentas pessoas. Ganhou uma bola de futebol de plástico. Estava ótimo, pensou. A moça voluntária lhe deu três rabanadas num saquinho de papel e uma caixinha com balas e pirulitos.... Era o sobrara. Estava ótimo, pensou. Agradeceu a Deus. Foi pra casa feliz. Sem tevê e celular, as crianças dormiam cedo. A mãe os acordou. -" Meninos, acordem. Nossa ceia. Ronaldo chegou!!!" Diego amou a bola amarela escrita Neymar. Bola cheia, meio torta. A mesa dobrável de bar, propaganda da Brahma, estava coberta com uma toalha de natal. Suco de groselha. Rabanadas. Dois pêssegos que a mulher ganhara da vizinha Marlene. Faltou luz e a mulher acendeu uma vela. Era o que tinham. Ronaldo pediu que dessem as mãos. Rezaram um pai nosso. Diego pediu, orando, uma cadeira de rodas para o vizinho Carlos, vítima de um acidente de trabalho. Ronaldo olhou para a esposa. -" Eu num sei pedir nem rezar. Só queria agradecer.!!" Ronaldo sorriu. -" Eu também!!! Peço que os meninos possam ir pra escola. Só isso!!! Amém!!" A chuva recomeçou. No dia seguinte, Carlos os convidou para o almoço de Natal no seu barraco. A esposa dele gostava muito de Diego e Deivid. -"Frango assado da padaria do Seu Chico!!!! É comida simples!!!" Disse Carlos. Ronaldo pegou Carlos no colo e o colocou na cadeira ao redor da mesa. Após o almoço, Ronaldo quis ser grato a Carlos. Pegou o livro que acharam na praça e deu de presente ao vizinho, amante da leitura. -"Puxa. Muito obrigado, Ronaldo. Amei o presente." Folheou o livro e um papel caiu de seu interior. Ronaldo pegou o papel. Era um volante com três jogos da Mega Sena da virada. -"Deus vai nos abençoar, Ronaldo!!! Você me deu o livro mas se ganharmos, dividiremos meio a meio o prêmio." No dia 2 de janeiro, Carlos conferiu o jogo. Houve dez ganhadores. O jogo deles acertara as seis dezenas...Vinte milhões de prêmio a cada um. Carlos e Ronaldo estavam milionários!!! Ronaldo e Carlos mudaram de vida. Ajudaram muitos amigos da favela. Deus eleva os humildes!!!! FIM.