Conto das terças-feiras – O fantasma da obra.
Gilberto Carvalho Pereira, Fortaleza, CE, 27 de novembro de 2018.
Amigos desde a infância sofrida. Moravam em rua sem esgoto, sem calçamento, postes de luz fincados aqui e acolá, dava-lhes medo sair à noite. Mesmo assim sentiam-se felizes. Com idades bem próximas, semialfabetizados, o destino os fez trabalhar na construção civil. Aos 19 anos, foram iniciados como ajudantes de pedreiro para fazer massa e limpar a obra depois do serviço pronto. Os três viviam pregando peças nos colegas, brincadeiras inocentes.
O mais assediado era o vigia noturno da obra. Metido a corajoso, vivia contando histórias de assombração e fantasmas, sem que os outros lhe dessem muito crédito. Os garotos progrediram, viraram eletricista, o Eduardo, o Roberto, armador e o Gilberto, bombeiro hidráulico. Dormiam no canteiro da obra, em barracões de madeira, dispunham de restaurante e, terminado o serviço, aproveitavam o tempo para aprontar sacanagens com os incautos. Eles se aproveitavam mais do vigia, senhor Gerardo, conhecido como o senhor fantasma, pelas histórias que contava, razão maior para simular situações reais, a serem vistas só pelo vigia.
Certa vez o senhor fantasma disse ver quase todos os dias, depois da meia noite, uma menina vestida de branco passeando pela obra. Quando perguntaram o que ele fazia nesses casos, a resposta foi “nada, não tenho medo, mas não vou mexer com quem tá quieto”! Naquela noite, Gilberto, o mais baixinho da turma, que pedira emprestado um vestido branco a namorada, saiu passeando pela obra, com a tal vestimenta. Passando sempre à distância do vigia que, embora visse a “aparição”, não lhe daria tempo de identificar o Gilberto. Isso foi feito várias noites seguidas. No dia seguinte o vigia não tocava no assunto, mesmo sendo instigado pelos companheiros. Ficou sabido que Gerardo não saia de seu quarto, da janela mirava o foco de sua lanterna para todos os lados.
Não satisfeitos, os três amigos aprontaram outra vez. Passadas duas noites da última aparição da “menina fantasma”, os três se vestiram de branco e ficaram zanzando pela obra. Apareciam sempre em lugares diferentes. Novamente os focos de luz de lanterna ficavam de lá para cá, daqui para ali. Um dos rapazes chegou até ao vigia e, com uma das mãos fria, que colocara, minutos antes, submersa em água gelada, tocou no pescoço do vigia. Assustado, ele pulou a janela, jogou a lanterna no chão e saiu correndo e gritando fantasma, assombração. Os rapazes, preocupados, correram atrás do vigia. Ele corria cada vez mais, pois, os que o perseguiam esqueceram-se de tirar os vestidos. Agora eram três fantasmas no lugar de um, exclamava alto o vigia.
Não conseguiram alcançar o senhor Gerardo que, quando adolescente, fora maratonista. Desconsolados e receosos pela brincadeira ter trazido alguma consequência grave para o companheiro de trabalho, os três tiveram que ficar de vigília até o início do horário da manhã seguinte, durante a entrada ao serviço, dos outros trabalhadores.
O medo de demissão impediu que os brincalhões contassem o que havia acontecido. Alguém que conhecia onde o vigia morava, foi a casa dele e ficou sabendo sobre as aparições fantasmagóricas na área da obra. Ficou sabendo, também, que ele não voltaria a trabalhar naquele local, nunca mais. Era lugar de assombração!
O boato se espalhou, a empresa não conseguia contratar vigia para a sua obra. Ninguém queria trabalhar no “fantasma da obra”, como ficou conhecido aquele empreendimento imobiliário. Os três rapazes, arrependidos pelo transtorno causado por uma simples brincadeira, sem desvendar o mistério, se comprometeram a intercalar plantão noturno, desde que a empresa pagasse o adicional referente. Faltando poucos meses para a entrega da obra, não seria nada mau ganhar uns trocados a mais, pensavam eles. Assim ficou acordado e assim foi cumprido.