A Sétima Filha
Num vilarejo muito, muito distante, havia uma moça pobre, muito simples e de pouco estudo. Era a caçula de uma família de sete mulheres e cinco homens, desde muito pequena sempre se via como a mais feia das irmãs e por muitas vezes experimentava um sentimento de rejeição. Não que os pais a negligenciassem de alguma forma, mas esse sentimento insistia em aflorar de quando em quando. As vezes pensava que era pela cor da sua pele, mais amorenada do que a pele de suas irmãs mais velhas e seus cabelos crespos e rebeldes, sempre amarrados de qualquer forma. Naquela época era costume dizer que cabelos crespos e rebeldes era cabelo ruim, o que hoje seria algo politicamente incorreto de se dizer, podendo ser considerado como racismo ou discriminação, mas naquele tempo era coisa normal de se ouvir. Pois sim, ela tinha todas essas características e por isso se achava rejeitada e feia. Era também a mais gordinha e forte das irmãs e talvez por isso era sempre a mais requisitada a fazer os serviços mais pesados, ajudando a mãe na lavoura, carregando sacos pesados de batata-doce, abóboras ou outro produto qualquer produzido na lavoura a alguns quilômetros de distância da casa simples onde a família vivia.
As roupas eram lavadas num córrego dentro da mata que ficava a uma distância considerável de casa. Não importava se era inverno ou verão, quando o enorme cesto de roupas sujas se enchia, lá se iam as meninas para o riacho, carregando nas costas sacos de roupas da família toda. Quando havia sol, as roupas eram lavadas e colocadas pra secar nos arbustos ou nos fios de arame que mantinham o gado longe das plantações e dos sítios vizinhos. Nem sempre todas as roupas secavam a tempo e muitas vezes era necessário voltar para casa levando as roupas molhadas para estender nos varais ao lado da casa. À moça mais nova era dado o saco de roupa mais pesado, pois como dito antes, era a mais fortinha de todas. E lá da mata retornavam as meninas, cada uma levando nas costas sua cota de roupas, agora molhadas e mais pesadas. Mas era assim que tinha de ser.
A moça, além de ajudar nas tarefas da lavoura, ainda auxiliava as irmãs mais velhas que ainda moravam em casa, a manter a limpeza e a organização da casa. Era uma casa grande, toda de madeira e construída pelo próprio pai. Casa simples e humilde, mas sempre muito asseada e tudo deveria estar em seu devido lugar, pois a mãe, digamos que era um tantico exigente quanto à organização da casa.
Algumas das moças mais velhas já trabalhavam "fora", como se dizia naquela época. Na verdade, trabalhavam de empregadas domésticas, na casa de famílias mais abastadas.
Enquanto isso a moça mais nova, sentia-se cada vez mais sobrecarregada.
Sua irmã, um ano mais velha, era delicada e de saúde um tanto frágil, por isso era sempre poupada dos serviços mais pesados e jamais trabalhava sob o sol forte, pois sempre sentia-se mal e por muitas vezes seu nariz sangrava. Mas aos finais de semana estava sempre disposta e saltitante para frequentar os bailinhos do clube de jovens. Era alta, esguia, de cabelos muito pretos e lisos. Era bonita e descontraída, totalmente o avesso da irmã caçula.
A adolescência da filha caçula então foi vivida à sombra da irmã pouco mais velha que ela.
Mas eis que o destino, lhe reservava uma surpresa para coroar o início de sua juventude.
Logo um belo rapaz, filho de imigrantes italianos que viviam a uma distância considerável da casa da moça. Ele era o mais velho de uma família de seis filhos. O Pai morrera a alguns anos atrás vítima de câncer e ele como filho mais velho, juntamente com a mãe viúva, trabalhavam de sol a sol para manter a família. O belo e forte jovem italiano logo percebeu algo mais naquela moça simples que vivia à sombra de sua irmã mais velha. Algo nela lhe chamara a atenção, sua discreta beleza, seu modo de falar, seu corpo, agora de mocinha, ganhara contornos e formas muito atraentes. Seu jeito simples de ser e a forma como sorria não passou despercebida do belo rapaz.
Tão logo teve oportunidade, ele declarou seu amor àquela jovem tímida e retraída e o amor foi recíproco e verdadeiro. Tanto que o jovem rapaz não tardou em visitar a moça em sua casa para pedir aos pais da jovem sua mão em namoro e obter a permissão para visita-la. Os pais da jovem já o conhecendo de longa data e sabendo que era um homem honesto e trabalhador não pensaram duas vezes em dar permissão ao namoro dos jovens recém enamorados.
A moça passou a esperar as tardes de sábado com ansiedade, pois era quando seu amado vinha visitar-lhe. Então as manhãs de sábado eram de muito trabalho, pois como disse antes, a mãe era um tantico exigente e a casa precisava estar impecável para receber o futuro genro. Não só a moça mas também os pais o recebiam em casa cheios de alegria e contentamento. Eles namoravam na sala, sentados lado a lado no sofá, sempre de mãos dadas, não sem a supervisão constante da mãe que embora fizesse muito gosto daquele namoro, não permitiria jamais intimidade excessiva entre o jovem casal. Namorar sim, mas com respeito e recato. Mas nunca faltava oportunidade para beijos mais demorados e calientes e a cada encontro a paixão aumentava e o amor ia sendo construído e alicerçado. Quando os dias eram muito quentes, eles namoravam no jardim ou sob a sombra das laranjeiras, orgulhosamente cultivadas pelo pai que mantinha um grande pomar, não só de laranjeiras, mas também macieiras e mais uma porção de outras árvores frutíferas.
Era comum, aos finais de semana ver a moça com alguma flor a enfeitar-lhe os cabelos, agora bem mais arrumados. Aos sábados, logo no início da tarde chegava o moço, com um belo sorriso, o coração cheio de saudades e uma flor para presentear a sua amada.
Depois de um tempo do namoro aos sábados e com a confiança dos pais adquirida, foi concedido ao belo jovem italiano pernoitar de sábado para domingo na casa da família Agora eles namoravam aos sábados até um pouco mais tarde. Mas a mãe não se deitava antes que todos estivessem acomodados em seus devidos quartos. O Jovem no quarto de hóspedes e a filha no seu próprio quarto que dividia com a irmã mais velha.
Então a jovem moça que se via rejeitada e feia, de cabelo ruim , num repente viu-se vestida num lindo vestido branco de noiva. O vestido primava pela simplicidade, as mangas compridas e rendadas realçava a pele amorenada da noiva. O rosto moreno foi maquiado com esmero por uma das irmãs mais velhas, que haviam vindo da cidade para assistir a cerimônia da irmã caçula.
O pai, todo garboso, vestido a rigor para a ocasião, conduziu com grande orgulho sua jovem caçula até o altar e a entregou ao noivo, que a esperava ansiosamente. E depois juntou-se à esposa, ambos com os olhos marejados de emoção e contentamento.
A cerimônia de casamento da filha caçula foi uma festança, com muita fartura de comidas e bebidas e muita gente convidada. Era uma festa simples preparada por pessoas e para pessoas simples, vizinhos, amigos, gente da roça que moravam nas redondezas.
A moça pobre, de gostos muito simples e o jovem italiano eram agora, o retrato da felicidade. Os votos feitos no altar foram selados com um beijo apaixonado e não só os pais mas agora vários convidados exibiam olhos marejados de emoção e alegria pela felicidade estampada na face do jovem casal.
A vida com o marido era uma vida feliz, mas nada era fácil.
Havia que se trabalhar muito para manter uma casa. Eles não tinham terra própria, por isso construíram, próximo à casa da sogra viúva, uma casa simples, mas muito agradável e também muita asseada. Sim, os ensinamentos e exigências da mãe haviam surtido efeito e agora, ali naquela casa simples, via-se limpeza, ordem, alguns enfeites e bibelôs, davam àquela casa um ar alegre e aconchegante.
A frente da casa simples era adornada por um belo gramado, sempre muito verde e também por algumas roseiras de cores variadas.
O marido, as vezes passava dias fora de casa, trabalhando como empregado em granjas, no plantio ou colheita de lavouras de soja, milho ou trigo e os sábados novamente passaram a ser esperados ansiosamente pela jovem e apaixonada senhora. Pois aos sábados, logo no início da tarde, o amado chegava para passar com a esposa o final de semana.
O amor e a convivência fazia deles um casal feliz.
Eram felizes juntos em meio à toda simplicidade.
As duas primeiras gestações não vingaram, ela não segurava seus bebês por pouco mais que algumas semanas e os abortava espontaneamente. O sofrimento era imenso e com isso voltava o sentimento de rejeição e baixa estima.
Mas então depois de alguns tratamentos e algumas benzeduras, eis que nasce o primogênito. Lindo, forte e saudável. O casal estava feliz e a recém mãe, sentia-se radiante.
Este primeiro filho ainda era amamentado no peito, quando a mãe deu-se conta que estava grávida novamente. Pânico no primeiro momento. O que o amado diria? Ficaria ele feliz ou acharia que havia sido descuido da esposa? Como sustentar outro filho em meio a tantas dificuldades e limitações?
As preocupações da esposa tornaram-se vãs, pois o marido ficou radiante diante da notícia inesperada. Agora viria a filha tão sonhada, aquela que seria a princesa da casa, pois a rainha ele já havia conquistado. As preocupações deram lugar à alegria que inundou ainda mais aquele lar, tão singelo e singular.
O primogênito teve que ser desmamado as pressas, pois outro filho estava sendo gerado e a jovem mãe precisava guardar energia e alimento para o feto que se formava em seu ventre. Esse foi o conselho médico: "desmame já". O primogênito não gostou nenhum pouco de perder aquelas mamadas saborosas e reclamou muito por semanas, até acostumar-se com as mamadeiras cheias, agora com leite da vaca, ordenhada todas as manhãs e finais de tarde.
Mesmo tendo sido muito bem tratado com fartas mamadeiras e cercado de amor pelos pais, creio que o primogênito nunca se recuperou pelo fato do desmame prematuro e ter deixado de ser o centro das atenções.
Mas isso já é outra história.
Mas não foi dessa vez que nasceu a princesinha do papai.
Nasceu outro guri, tão saudável e rechonchudo, ainda mais lindo que o primogênito. A mãe já realizada, não cabia em si de tanta felicidade. O pequeno realmente era apaixonante e tão logo começou a engatinhar revelou-se um pequeno travesso. Tudo virava brinquedo em suas minúsculas e rechonchudas mãozinhas.
E os anos passaram, com muitos momentos felizes, mas também com muitas dificuldades financeiras assim como é a vida das pessoas simples e não possuidoras de patrimônios.
Mas com resignação, muito trabalho e persistência, em meio à tribulações, eis que abre-se uma porta e surge a oportunidade para adquirir alguns hectares de terra.
As terras pertenciam à outra comunidade a vários quilômetros da primeira morada.
E lá foram-se eles.
Construíram um barracão de madeira e telhas que aos poucos foi sendo aumentado e melhorado e para lá mudaram-se todos.
Foram dias, meses e anos de muito trabalho e sacrifícios. A vida era dura. O marido, durante a semana trabalhava nas granjas e aos finais de semana, trabalhava em casa, fazendo cercas, construindo chiqueiros, galinheiros, galpão para depósito de grãos. Eram dias de muito trabalho e suor.
Mas sentiam-se felizes pois finalmente tinham seu pedacinho de chão e os filhos eram saudáveis e espertos.
Mas esse pedacinho de chão não era barato e todos os meses havia de ser pago uma parcela ao banco credor q facilitou a compra de pouco mais de dez hectares de terra. Mas era deles, era seu pedacinho de céu, lá naquele fundão, próximo à um rio, onde tanto o pai, quanto os meninos, agora já quase adolescentes pescavam e nadavam quando havia uma folguinha na "serviçama', como costumavam chamar os trabalhos diários de tirar leite, alimentar os porcos, as galinhas e todas as outras inumeras tarefas diárias.
E então, num certo dia, a esposa deu-se conta que havia mais um fruto em seu ventre. Pânico! "Meu Deus! De novo? Mais um filho! Como vamos fazer? Deus do céu! A mãe desesperava-se.
O pai, mais uma vez exultou radiante e disse: "agora vai vim a minha princesa". Aah! quanta alegria, quanta esperança pode fazer brotar tão magnífico acontecimento.
E dessa vez o pai estava certo.
Nove meses depois nasceu a princesinha do papai, uma bela menina, de cabelinhos lisos e claros e olhinhos miúdos castanhos.
O pai era a figura da alegria
Sentia-se iluminado, bendito entre os homens.
Sua filha caçula era linda e saudável; era a princesinha tão sonhada e esperada. Os irmãos a amaram assim que puseram os olhos sobre ela. Eram agora uma família completa. A chegada da pequena, encheu todos de alegria e gratidão. Os avós não tardaram a chegar para conhecer e corujar a mais nova relíquia da família. Trouxeram nos braços muitos presentes e no coração muito amor para a recém nascida.
Os anos passaram, o pai sempre às voltas com muito trabalho, tentando sempre driblar as dificuldades e falta de dinheiro. As vezes ficava distante, em pensamento, mesmo estando ali junto da esposa na hora do chimarrão matinal.
O pai cuidava de toda a papelada da terra, os contratos bancários, os depósitos, financiamentos, tudo era com ele.
Ele decidia tudo, enquanto a mãe, sempre muito atarefada com a casa e as crianças nunca parou para se inteirar e aprender sobre aqueles assuntos. Eram coisas do marido.
Ela agora preocupava-se com os silêncios cada vez mais prolongados dele. E muitas vezes chegou a pensar: será que havia outra mulher na vida dele. Mas ele dizia que eram bobagens da cabeça dela e depois de um beijo e uma noite de amor ela voltava a se sentir segura com ele e sentia-se amada.
Mas o destino reservava agora, outra surpresa àquela jovem senhora, mãe de três filhos e dona de casa.
O marido adoece.
Depois de vários dias se queixando de dores nas costas, após cair do pequeno trator da família, a mãe consegue convencer o marido e o acompanha até um hospital a mais de cinquenta quilômetros de casa.
Os exames preliminares deflagraram uma bomba sobre aquele lar.
O câncer no pulmão era gravíssimo e com poucas chances de cura.
O pai do marido e um dos seus irmão mais novo haviam sido vítimas da mesma doença.
O mundo pareceu ruir... Os destroços foram caindo causando estragos e dores e tristezas inimagináveis.
Novos exames foram realizados e a doença se confirmou.
Então vieram os dias de tratamento, os dias e noites intermináveis dentro do hospital.
Vieram os dias de quimioterapia, que tinham que ser realizadas em outra cidade pois o hospital mais próximo não dispunha dos aparelhos e equipes médicas necessárias.
Tudo realizado em outra cidade, a mais de cem quilômetros dali, onde não havia nenhum conhecido, nenhum vizinho. Tudo era estranho e frio. Ela podia passar o dia ao lado do marido, mas a noite, ela tinha que pernoitar numa pequena pousada onde ficavam hospedados outros acompanhantes também com familiares doentes.
Naquele lugar estranho e frio, a dor, o medo e as lágrimas eram compartilhados com outras esposas, ou maridos, ou filhos que passavam por situações semelhantes.
O dinheiro era escasso, a comida era racionada, mas sempre dividida com alguém mais necessitado.
Depois de um dia inteiro sentada ao lado do leito do marido no hospital, lhe segurando e acariciando as mãos, ela retornava à pousada e depois de muita insistências dos companheiros da dura jornada, ela aceitava tomar uma sopa ou um caldo quente. Era a única coisa que passava por sua garganta, tão apertada e angustiada pelo medo. Longe dos filhos, longe do seu lar. Ela só tinha forças para implorar a Deus por um milagre.
O primogênito que agora morava em outro estado fora chamado às pressas para tomar conta da terra, enquanto o irmão mais moço tomava conta das tarefas da casa e da irmã caçula.
A mãe passava seus dias ao lado da cama do seu amado, agora tão debilitado pela doença que havia momentos que nem a reconhecia. A vida parecia esvair-se de seus olhos um pouquinho a cada dia.
O amado, sempre fora um homem grande, forte, muito bonito, admirado pelos homens e desejado pelas mulheres. Agora jazia ali, um farrapo humano, moribundo, com os olhos fundos e uns ralos fios de cabelo. Mas a esposa não lhe largava a mão e em momento algum duvidou que a cura viria e que num futuro muito breve estariam felizes de novo em seu lar simples, junto dos filhos. A família se reuniria novamente. Assim ela acreditava e implorava à Deus que tornasse isso realidade.
Houve dias de melhora e os médicos então o liberavam para ir para casa. A esposa enchia-se de esperança.
Revia os filhos, abraçava-os demoradamente, beijava as faces rosadas da filha pequena, que ainda não compreendia o porque do papai antes tão sorridente e forte, agora mal podia segura-la no colo por uns poucos minutos.
Mas estar novamente em casa, dormir ao lado do seu amado, isso lhe renovava as forças e a enchia de esperança.
Passaremos e venceremos tudo isso, repetia ela para si mesma, numa tentativa de não perder a fé e ter forças para continuar lutando por sua família e por sua felicidade.
A cada vez que retornavam para casa depois de longas estadias no hospital, ela enchia-se de esperanças. Agora ele irá melhorar, pensava ela.
Mas a vontade do destino era outra...
Em pouco mais de um ano e meio, depois de tantas idas e vindas do hospital, seu amado marido, o primeiro e grande amor de sua vida, definhou e partiu, não sem antes, num último lapso de lucidez dizer-lhe o quanto a amava e tudo o que ela representava para ele.
O pouco que restava do mundo outrora conhecido ruiu novamente.
A dor era como múltiplas lâminas muito finas e afiadas que lhe atravessavam o coração e a alma.
Era algo dilacerante.
Aquela dor que dói tanto que parece que o ar lhe irá faltar. Mas o ar não falta, a morte não chega e a dor só continua.
As lâminas continuavam açoitando e dilacerando seu coração e em muitos momentos ela desejou também partir para juntar-se ao seu amado. Mas em meio à dor, o instinto materno gritava-lhe chamando-a à dura realidade. Havia os filhos, havia a pequena princesinha que agora dependia totalmente dela.
O mundo não pára enquanto choramos nossas perdas e lambemos nossas feridas.
O mundo lá fora exigia sua atenção.
Haviam providências a serem tomadas.
Providências para o funeral.
Haviam pagamentos a serem feitos.
Financiamentos vencidos.
Muitas contas a pagar.
Apesar de toda sua dor, o mundo lá fora exigia sua presença imediata.
Os filhos não podiam resolver tudo.
Agora era tarefa dela, cuidar desses assuntos.
Ela que nunca se inteirara dessas coisas. Ela que não completara nem a 5a série primária.
Como administrar tudo isso?
Como manter a casa?
Os filhos menores ainda na escola
Como manter as prestações da terra em dia?
Era um dilúvio de coisas e decisões despencando sobre sua jovem cabeça de mulher viúva.
Muitas coisas se passaram.
Os dias arrastavam-se dolorosamente.
As noites eram insones e o travesseiro sempre estava úmido de lágrimas.
A cama ficara grande demais, fria demais sem o calor do seu amado.
Os dias continuaram se arrastando vagarosa e dolorosamente e se transformaram em meses e os meses viraram anos.
Muitas coisas aconteceram.
Coisas boas e ruins.
Mas ela manteve-se viva e em pé, mesmo naqueles dias quando as forças lhe faltavam e ela parecia alheia à tudo, mergulhada na sua dor.
Como terapia ela mantinha-se ocupada, cuidando da casa simples, cuidando e auxiliando os filhos em suas tarefas.
E quando não havia ninguém em casa ela refugiava-se na horta que mantinha na frente de casa junto ao jardim. Passava muitas horas trabalhando ali, perdida em seus pensamentos e devastada pela saudade.
Eu costumava visita-la sempre nos invernos. Eu amava aquele lugar. Amava aquele jardim repleto de rosas. As calêndulas misturavam-se às cravinas das mais variadas cores. A grama verde e sempre muito bem cuidada rodeava toda a casa. Os pessegueiros floriam alegremente e produziam frutos em abundância, como que transmitindo àqueles corações partidos, que a vida, apesar de todas as suas dores e perdas, continuava.
Eu gostava de passar os dias de inverno trabalhando naquele jardim e a noite sentávamos ao redor do fogão à lenha para nos aquecer e tomar vinho quente.
Eu amava aquele lugar!
E muitas vezes, no final da tarde, a jovem viúva ficava com o olhar perdido, fitando a estradinha de chão que levava ao vilarejo próximo, como a esperar que de repente seu amado aparecesse lá no alto da estrada, retornando para casa como fizera dezenas de vezes antes.
Mas era apenas a saudade que nesses momentos assolava seu coração ainda destroçado pela dor e pela falta do seu mais querido e verdadeiro amor.
E assim os anos transcorreram entre altos e baixos. Entre risos e muitas lágrimas também.
De lá pra cá, houveram muitas mudanças.
Houveram muitas coisas. Muitas coisas boas e outras nem tanto.
Houveram erros e acertos.
Houveram perdas e vitórias.
E algumas semanas atrás, aquela moça caçula, aquela que se achava a mais feia e com cabelo ruim. Ela mesma!
Ela compartilhou comigo mais uma de suas vitórias.
Ela disse-me que foi mais um sonho realizado e enviou-me uma foto da sua carta de motorista recentemente adquirida.
Estava orgulhosa e feliz por sua conquista e eu também me senti feliz por ela.
Queres saber o fim da história?
Como poderemos saber?
Nossas histórias nunca tem fim.
Há sempre mais e mais.
Há muito mais para acontecer....
Desse, ou do outro lado da vida!