Conto das terças-feiras – O cabo eleitoral
Gilberto Carvalho Pereira – Fortaleza, CE, 13 de novembro de 2018.
Juvenal, rico fazendeiro das bandas da microrregião do baixo Jaguaribe, sempre foi homem caridoso. Tinha uma legião de apadrinhados, os filhos de seus trabalhadores eram seus afilhados, e ele fazia questão disso. Embora fosse dado a patranhas e utilizasse de ações ilegais para obter benefícios junto aos poderes municipal e estadual era considerado um santo, o povo do município onde tinha suas fazendas o idolatrava, desconhecendo-lhe os métodos ilícitos utilizados na condução de seus negócios.
Um de seus melhores amigos, o prefeito da cidade vivia convidando-o para entrar para a política local. Mais especificamente candidato a prefeito, o que ele sempre recusava com alegação que não tinha tempo, a fazenda lhe tomava todo o tempo do mundo.
— Então, candidate-se a vereador, você precisará de apenas quatro dias no mês para participar das sessões. Na Câmara de Vereadores você pode me ajudar na aprovação de projetos de interesse da prefeitura, concluiu o prefeito.
O acordo foi selado e o fazendeiro escalou um de seus trabalhadores, o Agnaldo, homem rude, semianalfabeto, que mal sabia assinar o nome, mas leal ao patrão, para ser o seu capo eleitoral. O empregado era conhecido por quase todo mundo do lugarejo e, embora não fosse muito simpático, ele desempenharia muito bem o trabalho de convencimento entre os eleitores locais, em prol da candidatura do patrão. Era eleição já ganha, repetia a todo instante Agnaldo.
Doutrinado para o ofício de cabo eleitoral, Agnaldo foi adquirindo experiência sobre a política local. Sabia que deveria dar bastante atenção ao eleitor, abraçá-lo, pegar no colo os filhos crianças do eleitorado, aprendeu palavras bonitas, que quase sempre eram empregadas em momentos inoportunos, tomar café no bar da praça principal, onde todas as tardes, alguns correligionários ali paravam para comprar pão e bater um papo ameno entre amigos, frequentar as missas aos domingos, pela manhã e à tarde. Tornara-se um político perfeito, mas falando sempre em nome do patrão-candidato.
Infelizmente (ou felizmente) o rico fazendeiro veio a óbito, em decorrência de problema cardíaco, diagnosticado há algum tempo, fato que ele escondia de todos. A bancada do partido do prefeito ficou em polvorosa. Para fazer maioria na Câmara Municipal eles estavam contando com a eleição do fazendeiro, já dada como certa. A quantidade de votos que ele conseguiria, pelo seu carisma e bondade, arrastariam outros candidatos em nome da legenda. Era preciso e urgente achar um substituto à altura, faltavam poucos dias para o encerramento de registro de candidaturas a vereador. Alguém se lembrou do Agnaldo, homem de confiança do fazendeiro e já bastante desenrolado sobre a política local. Mais que depressa o substituto escolhido foi chamado para uma conversa com os homens do prefeito, candidato à reeleição. Quem falou primeiro foi o Secretário de Finanças, envolvido com a quadrilha da corrupção local, cujo chefe era o prefeito.
— Agnaldo você vai ser o nosso candidato no lugar do finado seu patrão. Ele deixou escrito que só você poderia substituí-lo, mentiu o secretário.
O prefeito, conhecendo a índole de Agnaldo, falou mansinho:
— Homem, chegou a hora de você honrar o seu patrão, ele, lá do céu, está pedindo que você tome conta do rebanho dele, dos seus empregados. É hora de agradecer a tudo que ele fez por você. Aceite esse pedido, que também é nosso, depositamos toda a nossa confiança em você.
Eles não imaginavam que Agnaldo estava preparado para isso. O “cabo eleitoral” só pensava nesse momento, embora simplório ele tinha lá suas ambições. Sempre fora da cozinha do patrão e conhecia como ninguém o gostinho de ser o mandão, de ser alguém em sua cidade. O patrão, que também fora pobre e ficara rico, ninguém sabia como, era exemplo para ele, e ele achava que também poderia chegar lá. De cabeça baixa e voz abafada, constrangido, respondeu que sim. Todos bateram palmas e a reunião foi encerrada.
Saindo dali, Agnaldo foi direto para a rodoviária, tomou um ônibus para a capital e procurou um dentista:
— Doutô, quero fazer uma dentadura nova, colocar uns dente grande na frente e que fique fora dos beiços.
Admirado, o dentista, que nunca havia recebido um pedido desse, perguntou:
— Para que esses dentes para fora? O normal era fazer uma dentadura com todos os dentes alinhados, isto é, para dentro da boca.
— Eu preciso ficar com a cara de risonho, quero olhar para as pessoa e mostrar que estou sorrindo para elas, justificou Agnaldo.
— Mas para que isso mesmo? Perguntou o dentista.
— Eu preciso me eleger vereador na minha cidade.
— Sendo assim, eu vou ajudá-lo, disse o dentista.
Em seguida, o agora candidato a vereador passou por uma joalheria, contou o dinheiro que trazia no bolso, entrou e pediu que lhe mostrassem um anel bem grande, de pedra vermelha e vistoso.
Alguns dias depois, Agnaldo apareceu na sua cidade com um baita anel dourado no dedo mindinho, posição que favorece o surgimento de novas conquistas, e todo risonho, levava os mais gozadores da cidade a falar que ele estava rindo com as paredes. Apesar das gozações, o cabo eleitoral teve expressiva votação, carregando consigo três novos vereadores para o agora seu partido.