Uma noite de outubro qualquer
Eu era nada mais do que a convidada levada pelos convidados. A louca que queria subir escadas de sei la quantos andares para chegar devagar no destino além de uma sequencia de elevadores sistemáticos. O encontrar da anfitriã foi como ver uma alma antiga conhecida, sem a conhecer nesta existência. O corredor de vidro ecoava vagamente os passos quase silenciosos emitidos por ela, um cisne negro com echarpe que andava como em uma passarela confortavelmente. Dona de si. Havia nela uma energia incrível para se guardar e lembrar do poder que temos de impacto nas pessoas pela primeira vez. Gostaria de lembrar do aroma do ar. Lembro do vento fresco que corria pelo jardim prometendo talvez esfriar a noite.
Me senti fazendo parte no momento do abraço (amo pessoas que abraçam com o corpo todo) dos gestos, do sorriso. A dona da casa escolheu aleatoriamente uma lista de músicas na sala, a qual eu sabia cantar a maioria pela preferência dos anos 80 e pelo amor a uma radio paulista de gosto musical mais old fashion enquanto brincavam de fazer algo na cozinha. Apreciei me sentar em uma mesa na área gourmet de um apartamento em sei lá qual região de São Paulo e ter ali um nada para fazer após um imenso dia de trabalho. Nunca fui adepta de bebidas alcoólicas. Naquela noite bebi 2 ou 3 taças de um espumante. Senti conforto ao ver alguns livros perto da TV, que folheei sem pretensão. E sorri pra mim enxergando talvez o conceitual presente em um deles que falava de fotografia. Sempre amei fotos e conceitos. O olhar algo que todos olham mas de forma fractal, diferente, emotivo...
Não deixei de notar um violão fora de seu case em um canto não qualquer do ambiente. Li a marca, agradeci na mente ter namorado um musico para reconhecer algumas coisas e poder tocar no assunto se fosse pertinente. Não tinha como pedir para tocarem. Os dedos donos da música não estavam presentes. Me bateu uma nostalgia de conhecer alguém que toca um instrumento por tocar, por ser de alma mesmo e nada mais. Passou com o vento na sacada, atropelando com o assunto sobre algo para comer. Seguiram horas de mini diálogos, que para mim, foram mini encontros de almas. Flashes de sentimentos bons que nem sei ao certo se foram partilhados, mas que eu senti com todo meu ser. Me lembro da conversa vaga que me deu saudade de (não sei o) que jamais tive, quando tocamos no assunto de viagens, passeios, pé na terra, colheita de amoras e banhos de chuva em terras do interior. Quando me senti falando demais (pois eu me senti muito em casa), para me silenciar um pouco, eu fui até a sacada e fiquei olhando os prédios ao redor e transito em algum lugar lá longe. E como é sempre de praxe, mantive o olhar fixo em uma janela muito, muito longe, onde havia luz mais amarelada, mais aconchegante e trêmula, que faz imaginar o quão confortável estaria aquele local. Estaria como minha alma estava no meio daquelas pessoas?
Havia uma espera em todos ali, em mim uma inquietação estranha, um questionar vago de motivos e agradecimentos de poder estar ali e me sentir parte do quadro. Haviam meses que não conhecia pessoas novas, eu estava mais do que enferrujada no quesito ser pertinente em assuntos quotidianos. De novo o olhar pousou em algo que me fez sentir conforto na alma, não pela ultima vez... um matt de pratica de yoga, jogado em cima de um móvel na entrada da casa. Sorri de novo, gente não estranha, com o mesmo habito que o meu. Não sei ao certo que impressão passo descrevendo o que vejo e sinto na casa de pessoas... talvez tomar as taças de espumantes tenham me preparado pra chegada de quem estava por vir.
Mediante o ruído discreto do elevador as crianças presentes se agitaram e saíram correndo para a porta de entrada falando um nome de forma alegre e pedindo firmemente por um truque de mágica. Entre a minha visão desatenta e entrecortada de uma parede, uma porta de vidro e corpos se cumprimentando notei a figura masculina magra, delicada colocar um capacete em cima do mesmo móvel onde havia o tapete de yoga e arrancar a jaqueta que usava. Queria me lembrar de mais coisas além do abraço fantasma (aquele tipo de abraço que se dá em pessoas que não se conhecem, porque você tem medo de apertar demais o corpo desconhecido ou de sentir o aroma do perfume – que não havia – ou do cheiro da alma delas). Lembro das meias brancas, da cor da calça avermelhada, dos cabelos sem corte e bagunçados e das muitas pulseiras de shambala que haviam em seus pulsos magros e mãos esguias que abraçaram os joelhos em momentos do dialogo em grupo, enquanto sentado em um futon de cor berrante com um quadro também chamativo como o sol atrás. Minha atenção se voltou para o cenho aparentemente cansado do anfitrião após alguns segundos ao se sentar para observar o ambiente tomado de pessoas, talvez estivesse bem pelas visitas ali; mas energeticamente o senti drenado por algo além do que desejou contar quando eu, a estranha no ninho, perguntei. “Um dia de trabalho com emergências” me lembro da resposta. Pensei em ser deselegante como sempre sou e pedir mais assunto pra mesa, porem algo me puxou a língua. Eu fiquei tímida? Logo eu?
Senti como nunca em minha vida o momento de desligar a mente, silenciar o que pensava e o que sentia pela curiosidade e, até agora, um ano depois, a minha memória ficou parada ali. É difícil eu voltar eufórica pra casa após um jantar entre conhecidos, naquele dia ocorreu isso. Ecoa na mente até hoje a vontade de rever e sentir tudo de novo. Algo ficou preso em mim. Uma duvida, uma curiosidade, uma vontade que acordaram agora um ano depois após as memorias das fotos tiradas. Mas, pela primeira vez em minha existência, deixo pra lá... Olhei o casal na foto colorida e confortável e pedi para universo fazer a gente se ver de novo em outros momentos. Em novas construções de mim. Quiçá, em outras reverberações de consciência e temáticas temporais.