Conto das terças-feiras – Preconceito fatal
Gilberto Carvalho Pereira, Fortaleza, CE, 6 de novembro 2018
Foi em um prédio de apartamentos, onde residia uma família de classe média alta, pai médico, mãe professora universitária, duas filhas e um filho: Haroldo, dezenove anos de idade, cursando faculdade de medicina, rapaz de feições delicadas, bem criado, estudioso e tímido; Margarida, dezesseis anos de idade, terminando segundo grau, sonha ser modelo de passarela e fotográfico; e Rosângela, nascida na primavera, três aninhos de idade, a alegria da família.
Naquele final de manhã, a família em casa à espera do pai, para consagrar, mais uma vez, o ritual das refeições com todos à mesa. Homem de princípios cristãos, escolheu ser médico pelo caráter altruísta, herdado do pai, e seu amor desinteressado ao próximo, com muita abnegação. Mesa posta, todos preocupados porque o pai não chegava. Haroldo teria que ir para a faculdade, era dia de prova e estava muito nervoso, dois problemas lhe afligiam. Não conseguira dormir bem e não se preparara para a prova daquele dia. Sabia que não tiraria boa nota, o que deixaria seu pai bastante decepcionado.
O segundo problema era mais delicado, de foro íntimo. Precisava primeiro conquistar a mãe, para depois revelar ao pai o que o afligia. Sua mãe seria seu ponto de apoio, esse problema, para o pai, era mais decepcionante, sabia ele. Há três dia que pensava como abordar aos pais sobre sua aflição. Com a irmã não poderia contar, era jovem demais, imatura, embora como seu pai, estivesse sempre disposta a ajudar às amigas e amigos. A pequenina não iria entender nada.
Com a demora do pai, Haroldo chamou a mãe até a sala, pediu que sentasse confortavelmente, pegou sua mão e começou a acariciá-la.
— Mãe, preciso de alguns conselhos. Ontem me descobri outra pessoa. Na verdade, há alguns anos que estou sentindo transformações em mim que não consigo compreender.
Preocupada, a mãe de Haroldo se afastou um pouco, exatamente para olhá-lo diretamente nos olhos.
— Fala logo filho, você está me deixando nervosa, - disse a mãe.
— Não sei como começar, já ensaiei muitas vezes essa conversa, mas, temendo a reação dos de casa, sempre adiei, falou o estudante de medicina, já ensaiando um recuo.
— Meu filho, nada que você disser vai me assustar, o mundo está mesmo de cabeça virada, completou a mãe.
Ao ouvir essas palavras Haroldo sentiu-se mais confortável, e começou dizendo que era a primeira vez que tocava nesse assunto. Ninguém sabe, ninguém desconfia, eu não gosto de mulher, eu gosto de homem, sentenciou ele.
Com a revelação, sua mãe ficou imóvel, ela esperava que o filho tivesse engravidado uma garota com a qual ele gostava de sair. Ela, como ninguém, conforme dissera o garoto, desconfiava desse sentimento íntimo do filho. Não estava preparada, pois esse assunto nunca fora ventilado no seio da família. Qual será o comportamento de seu marido frente à essa situação? pensava ela. Como ele reagirá ao saber que o seu filho, que ele sempre falava com orgulho de ser uma pessoa de convicções firmes, apresenta tal comportamento? Em curto espaço de tempo um turbilhão de perguntas veio à tona, perguntas que seriam dirigidas a ela, não ao filho. O que dirão os meus amigos? Eles se afastarão de nós? Como reagirão os amigos e conhecidos dele? Não será uma tomada de posição passageira? Onde erramos?
Pensamentos preconceituosos, ignorantes, que orbitam a sociedade atual e que levam sofrimento a muitos jovens, seja para aqueles que assumem ser homossexual, seja para aqueles que escondem seu segredo, como se fossem doentes.
Os pensamentos e a conversa foram, de repente, interrompidos pela brusca entrada de Margarida à sala onde mãe e filho conversavam. Aos gritos de desespero a mocinha, balbuciando algumas palavras pediu perdão à mãe e ao irmão e se dirigiu à sacada do apartamento. Sem dar nenhuma chance aos dois para interromperem sua trajetória, jogou-se do 10º andar indo cair quase aos pés de seu pai, que acabara de transpor o portão de entrada do edifício. O susto foi tão grande que o médico desmaiou ao perceber que se tratava de sua filha.
Algumas horas depois encontraram um bilhete da garota para a família, dizendo que ouvira a confissão do irmão para a mãe, e que não suportaria conviver com a situação exposta pelo irmão. Sabia que perderia todas as suas amigas e amigos, e que seria olhada como um ser diferente, razão de sua atitude extrema, por não ter estrutura para fardo tão pesado.