O Educador Errante e o Panfleto

Acordei de madrugada, peguei minha mochila, coloquei meus currículos impressos, livros de Filosofia, História e Poesias, para começar meu dia. Desci o morro, sem tomar café ou comer pão. Agradeci a água da chuva que caiu na noite anterior. Olhei o mato verde e molhado. Senti frescura do vento úmido da manhã. Sorri.

Cheguei a escola técnica privada e perguntei ao secretário daquele local, se haviam vagas pra educadores. Ele negou. Agradeci e olhei o mural de avisos onde um panfleto destacava “Concurso público para policial militar, salário inicial 4 mil”. Suspirei fundo. "Haviam vagas para policial militar, mas não haviam oportunidades para educadores", pensei.

Saí dali. Desci a avenida. Parei em frente a uma escola pública estadual. Fui a secretaria. Não haviam vagas para educador, mas havia outro mural de avisos com o mesmo anúncio de vagas para policial militar. Perguntei à secretária da escola quanto se pagava para um professor estadual. Ela respondeu que dependia do contrato e das horas de trabalho que ele tivesse em classe. Questionei se aceitavam quem tivesse autorização pra lecionar. Ela disse que seria necessário participar de designação e vencer a concorrência para uma vaga temporária. Insisti e perguntei se havia possibilidade de convocação, pois queria usar minha autorização nas escolas daquele município. Ela informou que haviam muitos outros educadores com pós graduação, mestrado e doutorado precisando também. Desanimado, fui embora.

Fui descendo a rua da feira, e observei o movimento dos feirantes. Atendiam com pressa quem se aproximava. Procurei alguma atividade remunerada ali. Todos negaram.

Fui em direção ao parque. Perto dos pomares. Subi pela passarela metálica. Ouvia um barulho enjoado de buzinas dos carros. Manifestantes apoiavam um político. Pediam sinais sonoros. Gritavam que seriam livres da corrupção e que estavam fartos de promessas de partidos corruptos. Apresentavam seus protestos em faixas como se seus candidatos fossem imunes a toda forma de corrupção. Diziam-se defensores do bem. Questionei comigo mesmo, se era do "bem ou dos bens de alguém" e sorri, desajeitadamente, de tristeza. Estavam além da condição humana comum de passíveis a erros. Sentiam que seus protestos, candidato e opiniões eram incorruptíveis e sem histórico de corrupção. Parecia muita soberba, mas ignorei. Não mereciam crédito. Não pareciam humanos.

Aproveitei e perguntei a um dos manifestantes se sabia sobre alguma vaga pra professor ou educador. Ele me disse que "professores eram quase todos comunistas, e que apoiavam ao partido dos corruptos". Retruquei dizendo que não! Não existiam apenas duas cores ou escolhas... Ele riu e disse que comunistas deveriam mudar-se para a Venezuela, Cuba, Rússia ou China...Notei a ignorância deles e senti que estava falando sozinho. Aborreci-me diante daqueles manifestantes. Fui embora cabisbaixo. Senti fome.

Andei mais um pouco e fui à uma creche municipal que ficava ao lado de um quartel militar. Perguntei se havia alguma vaga de educador, ou até mesmo de faxineiro, secretário, vigilante, auxiliar administrativo. As pessoas da secretaria, olhavam-me com cara feia. Perguntei se podiam ajudar-me. Negaram. Disseram que no momento não haviam vagas. Agradeci e fui embora.

Antes de sair, notei um cheiro de comida pronta. Pedi um pouco, mas a secretária disse que não podia deixar que eu comesse ali. Olhou-me de cima e embaixo, e torceu o nariz, deu as costas e saiu. Percebi que ela não voltaria. Ela olhou-me com desprezo, de dentro do prédio, depois deu ordens ao vigilante para que me mostrasse a porta.

Saí e percebi que uma viatura chegou. Os policiais abordaram, e perguntaram se tive alguma passagem pela polícia. Neguei. Disse que estava apenas procurando emprego pois era um educador. O outro policial riu e sussurrou, audivelmente, que “educadores desocupados eram comunistas”. Olhei e, com coragem, disse que não e que ele estava enganado por generalizar. Revistou-me e não encontrando nada ilícito, liberou-me. Perguntei se precisavam de educadores na polícia militar, e ele balançou a cabeça negativamente, virou as costas e saiu.

Fui ao parque municipal. Parei na porta da Estação de Ciência e pedi pra entrar. Responderam que não, pois não estava aberta ao público. Perguntei se precisavam de educador ou assistente. Negaram. Pedi algo pra comer. Negaram novamente. Fui ao bebedouro, tomei muita água e sentei à sombra de uma trepadeira. Dormi por todo o resto de tarde. Acordei com o vigilante do parque convidando-me para sair do local. Não queria ir embora, mesmo assim levantei. Pedi desculpas pelo ocorrido e fui andando de volta pra casa.

No caminho, um panfleto de propaganda de cursos preparatórios para concursos com vagas abertas para soldado de polícia militar bateu em meu rosto. Doeu tanto quanto um insulto.

Glaussim
Enviado por Glaussim em 06/11/2018
Reeditado em 06/11/2018
Código do texto: T6495849
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