Perspectivas

Dalisay foi visitar sua amiga, Himig, que havia retornado à Manila depois de dois anos trabalhando como doméstica no Líbano.

- Valeu a pena, Himig? - Foi a pergunta inicial.

- Eu dei sorte - respondeu a recém-chegada. - Meus patrões cumpriram a parte deles no acordo, e tão logo quitei minha dívida, pela parte da passagem aérea e outras despesas legais, liberaram meu passaporte para que eu voltasse para casa. Até disseram que gostariam de me recontratar, que eu ficasse mais tempo, mas não sei... as coisas podem mudar na próxima vez.

- Entendo o que quer dizer sobre sorte. Ouvi muitas histórias sobre espancamentos e cárcere privado no Líbano; houve aquele caso da garota que foi atirada da varanda pelos patrões... - ponderou Dalisay.

- Ela sobreviveu - Himig pareceu estar desconfortável com a alusão. - E voltou a trabalhar para os patrões, que negaram tudo.

- Mas a simples possibilidade de ter acontecido e das autoridades libanesas nada terem feito... - Dalisay abriu as mãos, como que questionando a resposta evasiva anterior.

- Empregadas domésticas não possuem direitos trabalhistas no Líbano - explicou Himig. - Verdade que muitos patrões abusam do sistema de contratação, a kafala, o qual lhes dá muito poder sobre as empregadas; mas prendem os passaportes, por medo que a doméstica fuja após o prazo de três meses, que as agências de emprego estipulam para reembolsar as taxas de contratação. E essas taxas não são baratas.

- Você quase parece estar dando razão aos patrões e à kafala - observou Dalisay.

- Emprego não está fácil aqui nas Filipinas, lá eles pagam relativamente bem. Há casos de abuso? Sim. Mas ainda assim, as perspectivas são melhores do que ficar aqui.

- Você pretende voltar, então?

- Gostaria de continuar trabalhando fora, sim. Meu inglês é fluente e creio poder conseguir alguma coisa melhor do que no Líbano.

- Para onde você pretende ir, então?

- Estou pensando no Brasil. Afinal, lá eles têm leis que protegem as domésticas...

- Parece ser uma perspectiva melhor do que a kafala - avaliou Dalisay.

- Pelo menos, nunca ouvi nenhuma história sobre doméstica presa no apartamento para não fugir - riu Himig.

- [04-11-2018]