Um mendigo na Praça da Sé
Meu nome é Cláudio Garcia, brasileiro nato, nascido em Cotia, em São Paulo; estou aqui para contar minha vivência para vocês, leitores pacientes: como eu simplesmente perdi o meu ego e desisti de jogar pelas regras do jogo do sistema!
Eu não acredito mais em estabilidade, sucesso: em absolutamente nada!
Meu pai foi médico e já está falecido, Dr Paulo Garcia, grande cirurgião ortopedista, sendo minha mãe falecida também e professora primária: Dona Maria Garcia.
Tive uma educação de classe média, estudando em escolas particulares e aprendendo línguas para ter "um futuro", como meu irmão, hoje médico, tem (mora em Recife e nunca mais o vi).
Tenho 44 anos e cheguei a atuar algum tempo como engenheiro civil em algumas empresas da grande São Paulo, na segunda metade dos anos 90, conseguindo sucesso por algum tempo (colecionando fracassos e invejas também - pois as pessoas são terríveis e odeiam nossa felicidade).
Passei também por 2 casamentos, 3 filhos do primeiro e um do terceiro, todos hoje ou entrando na adolescência ou já na idade adulta.
Todos moram com suas respectivas mães, que estão casadas novamente com maridos "bem sucedidos".
Atualmente eu vivo na Praça da Sé, morando em entradas de lojas de departamento, durante a madrugada, nas quais no começo da noite eu faço minha cama de papelão (perto da Faculdade de Direito do Largo São Francisco).
Faço refeições sem horas definidas, como sempre fui habituado. Somente quando tenho muita fome um proprietário de restaurante tem pena de mim e me dá o resto de comida de seus clientes que iam ser jogados no lixo.
Também pego restos de pratos que as pessoas deixam nas mesas dos bares, quando não comem tudo.
A noite tomo sopões entregues pelos caridosos espíritas e outros grupos de caridade que saem a noite preocupados com pessoas que eles nem conhecem.
Por causa de uma esquizofrenia, eu consegui me aposentar com uma mixaria de renda por invalidez, a qual está em 1 salário mínimo.
Como era de se esperar, eu não consegui manter minhas relações com ninguém e todos se afastaram de mim.
Como eu fiquei assim? Eu comecei a não ver sentido nas coisas que eu fazia; nunca gostei de acordar cedo, nunca gostei de receber ordens de patrões e nem mesmo gostei de ter filhos adolescentes me insultando.
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Certo dia, eu olhei para uma rodoviária, na minha cidade, Cotia, e comprei uma passagem com meu cartão de benefício, em direção à rodoviária do Tietê, na cidade de SP.
Por meio da janela lateral do veículo do qual comprei o bilhete eu olhava os rios poluídos, o fluxo de carros como numa artéria e as fábricas com chaminés soltando seus gases tóxicos por entre as nuvens da garoa fina.
Cheguei lá na capital paulista por volta das 18 horas, não faz nem 4 anos. Eu peguei o metrô sem destino, olhando para as pessoas indiferentes dentro dos assentos dos vagões.
Andava de uma estação a outra; no fim da linha, entrava noutro trem, até que o interfone do vagão anunciou que não estavam mais as linhas em operação.
Desci na estação da Luz e passei a madrugada num banco de praça, observado as prostitutas e os viciados andando como bichos da noite.
Minha roupa foi ficando suja, minha barba foi crescendo. Meus dentes amarelando e somente a pinga aquecia dentro de mim o vazio da minha existência.
Na rua, dois cães encostaram em mim: hoje dormem nos meus pés, debaixo da coberta velha que enrolo no meu corpo nas noites mais frias aqui da cidade de São Paulo.
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Vivo dentro de mim.
Não mais olho com entusiasmo para nada.
Não ligo para o que vocês pensam e sei que sou invisível àqueles que passam por mim, durante o dia atarefado.