Conto das terças-feiras – O Circo e seus encantos – ainda
Gilberto Carvalho Pereira, Fortaleza, CE, 23 de outubro de 2018.
Em busca de aventura alguns adolescentes, principalmente aqueles residentes em cidades de menor poder aquisitivo, fogem de suas casas para acompanhar um circo que nelas se apresentam. Para eles o circo tem magia, a lona exerce fascínio, tanto quanto a liberdade de percorrer o mundo e de se tornarem livres. As luzes multicoloridas e o trapézio complementam a atração que a atividade circense exerce entre esses jovens.
Este foi o caso de Reinaldo, jovem nascido no interior do Ceará que, com apenas doze anos, fugiu da casa dos pais para acompanhar um circo que se apresentara na noite anterior, em sua cidade. Ninguém de casa notara a sua falta, ele era dado a se ausentar por alguns dias, para casas de parentes, mas sempre voltava. O pessoal do circo também não percebera a sua presença entre as três carretas que transportavam os apetrechos circenses.
Após dois dias de viagem o garoto foi descoberto, ao sentir sede e fome ele se apresentou ao pessoal da trupe. Com febre e o corpo todo dolorido, pela incômoda e cansativa posição que foi obrigado a manter por muito tempo. Recebeu logo assistência da trapezista, uma linda garota que recentemente havia perdido o filho. Tomando-o nos braços ela o levou para seu trailer, o alimentou e o colocou para dormir confortavelmente. No outro dia ela procurou saber onde ele residia, qual o seu nome e quando ele conseguira entrar na carreta.
— Meu nome é Reinaldo, entrei na carreta no último posto que pararam para abastecer e dormir, o garoto mentiu, principalmente com relação ao nome, que tomou de empréstimo do primo, pois se chamava Belarmino. Dizer o nome certo poderia ser encontrado com facilidade.
— Onde você mora? - perguntou a trapezista, com a intenção de devolvê-lo à família.
Neste momento o menino fantasiou uma história mirabolante. Falou que já havia fugido de casa há mais de um ano, que perambulava pelas cidades e vivia a pedir comida nos postos de gasolina. Que dormia geralmente em carrocerias de caminhão, sem ser molestado.
Querendo saber mais sobre a vida do garoto, a circense perguntou:
— Por que você fugiu de casa? - a resposta estava na ponta da língua do garoto:
— Porque eles me batiam muito, eles não gostavam de mim, - continuou mentindo - e já chorando. Ele percebera que aquela moça teria pena dele e o deixaria ficar.
Depois de convencida da história do garoto, Katerina, a trapezista, foi falar com o dono do circo, que por sinal era seu marido. Depois de discutirem os prós e contras sobre a permanência do garoto, e para deixar a esposa feliz, o marido concordou com aquele estranho pedido, na condição que iriam procurar saber a origem do garoto em todas as cidades que passassem. Fariam isso sem o menino saber, para que ele não fugisse novamente.
Katerine começou a instruir o garoto sobre as atividades do circo. Iniciou pelas obrigações: acordar cedo, estudar, não se afastar do local onde o circo estiver instalado, respeitar as pessoas etc. Também consentiu que ele assistisse aos espetáculos quando quisesse, depois que tivesse estudado e realizado as lições do dia. Informou que o circo sempre contratava professor para ensinar aos filhos dos funcionários e artistas.
O garoto era só deslumbramento. Passeava pelo circo com desenvoltura, sentia-se em casa. Aquele ambiente iluminado e colorido, onde passeavam vendedores de algodão doce, batata frita, amendoim torrado, pipoca e bugigangas o fascinava. E o que falar do espetáculo quando começava?
— Eu quero passar toda a minha vida aqui, quero viajar sempre com o circo, quero ser trapezista, - falava sem parar para a sua protetora.
— Calma meu filho, falou Katerina, carinhosamente. Você ainda tem muito que aprender para viver neste meio. Aos poucos vamos descobrindo a sua vocação e qual sua aptidão para trabalhar em circo. Mas, não se esqueça, primeiro os estudos, foi enfática a trapezista.
Ambos pareciam que já se conheciam há muito tempo, tal a intimidade e a empatia que os identificava. A circense agora não sentia mais saudade da família. Quando não estava no picadeiro seu tempo era tomado pelos cuidados dispensados a Reinaldo. O relacionamento com o marido também melhorara, ela não andava mais triste e desolada como antes da chegada do garoto. Eles agora formavam uma família feliz. O garoto cresceu, tornou-se trapezista e ficou famoso. Quando o circo retornou à sua cidade para mais um espetáculo, resolveu procurar pela família, mas, os pais, já falecidos e os irmãos, já não moravam mais lá. Ficou triste, mas a vida tem dessas armadilhas, pensou ele, vou permanecer nessa vida, pois a arte circense ainda cativa o público infantil e adulto, e tornou-se a razão maior de minha existência.