Roteiro de uma tarde. São Paulo ,Oito dias para Eleição
Tarde de sexta feira. Saio do Tatuapé rumo a Praça da República. No metrô cheio ouço um idioma distinto, é uma mulher com traje africano e turbante, meus ouvidos começam a celebrar a diversidade, aguçando meus sentidos tão revirados dos últimos dias. Desço na estação faço minhas coisas e volto pelo Largo do Arouche. Sob a garoa fina, pessoas deitadas na calçada, corpos empacotados com rostos cobertos, outro vasculhando a lixeira. Entro numa loja de confecção, uma mulher gentil me recebe , ela é negra e possui apenas um braço, falamos de estilo e estampas. Não levo a blusa, mas prometo voltar. Seguindo me deparo com o Museu da Diversidade Sexual, fotos coloridas de gente diversa, famílias, crianças e um manequim didático para explicar gênero, sexo, expressão de gênero. Informação necessária para os novos tempos de inclusão. Na catraca do metro uma mulher trans, de corpo esbelto, me pede um bilhete de metrô e seguimos juntas conversando sobre a dificuldade de se conseguir emprego e sobre a entrevista que acabara de fazer no Mac Donalds, salário de 850 reais por 8hs diárias, para qual aguardava ansiosa. Nos despedimos, o trem chega e entro junto com um pai barbudo carregando a filha num slim cor de rosa, ela não parecia muito confortável mas não reclamava. Por todos os trajetos haviam pessoas fantasiadas, descubro que é uma festa universitária. Na esteira oposta da estação, um rapaz barbudo de chapéu caipira e saia xadrez me acena sorrindo, retribuo. Meu destino era encontrar minha filha no cinema, oportunidade rara, para assistirmos Uma Noite de Doze Anos https://www.youtube.com/watch?v=9tMcnZrIvqs . No foyer me deparo com uma amiga de encontros casuais, mas sempre muito especiais, nos falamos e dissemos até amanhã.
Na grande sala de projeção haviam umas 30 pessoas, a história da prisão de José Mujica, Mauricio Rosencof e Eleuterio Fernández Huidobro na ditadura militar do Uruguay. Resistência, tortura, poesia, resistência, tortura, poesia, resistência, tortura, poesia...
E o roteiro da minha tarde ia fazendo ainda mais sentido . Valores a serem nutridos, resistência, amor , não violência, poesia. O filme termina gritamos em desabafo ELENÂO ELENUNCA! Muitos na sala repetiram, os demais soluçavam, ninguém se levantava, terminam os créditos, alguém pergunta “acabou?” um homem ao meu lado levanta e responde ‘Não acabou”. Uma mulher se dirige até nossa poltrona ainda na penumbra da sala, nos abraça e nos olha nos olhos. Não a esquecerei.
Volto para casa com a mesma pergunta com a qual sai : é deste cenário, desta cidade que saem tantos votos para um fascista Homofóbico, misógino, ditador?