Mini perfil de um parlamentar de província
“De modo que, se eu disser que a vida humana nutre de si mesma outras vidas, mais ou menos efêmeras, como o corpo alimenta os seus parasitas, creio não dizer uma coisa inteiramente absurda.”
Machado de Assis
O pai, com ares de coronel antigo, previu que o filho desleixado não daria um bom administrador de fazendas e nem passaria em concurso federal. Ele então comunicou à esposa que passou a sofrer mais depois disso. Nos anos que se seguiram a essa descoberta marido e mulher travaram batalhas geométricas:
-Nosso filho é capaz, você que é um quadrado completo!
-E você está redondamente enganada!
Se - como escreveu alguém – o inferno está cheio de boas intenções, o mesmo não se pode dizer do pai. Prevendo que o filho daria apenas despesa para ele, resolveu que era hora de metê-lo na política e dividir a despesa com o mundo. Antes da discussão final o pai lhe deu um ultimato paternal:
-Escolhe! Um carro ou o diploma?
-O carro primeiro, velhinho!
Dez anos e muitos carros depois o filho concluiu o curso de administração. O pai, orgulhoso, posou para a foto ao lado de uma mãe envelhecida. Depois da formatura eles foram para casa sozinhos. O filho foi acompanhado para o bordel. Lá, deu tiros para cima enquanto tomava chopp acompanhado com os seus iguais. Voltando para casa comentava com um amigo tão bêbado quanto ele:
-Cara, a vida é uma puta festa sem fim!
-A melhor festa é aquela que não se paga nada.
O tempo passa diferente para todos. Para o jovem, eleito de primeira viagem, o tempo passou ensinando. Aprendeu com os amigos de seu pai que também eram políticos. Aprendeu que eles eram uma irmandade e que - diferente do que acontece em muitas famílias - nessa irmandade todos se protegem. Quando queria se fazer mais esperto do que os demais, era questionado:
-Calma garoto, você quer abraçar o mundo todo?
-Não, só a melhor parte!
Naturalmente o vereador foi eleito com o voto dos pobres, para defender os interesses dos ricos. Expliquemos: fez várias promessas para o eleitorado do subúrbio, angariou a simpatia dos mesmos, abraçou muitas pessoas nos bares da cidade e foi eleito com ampla maioria dos votos. Uma vez eleito, traiu a confiança da maior parte dos eleitores. Assim que pôde, e a pedido do prefeito, elaborou um projeto de cobrança de taxa adicional que veio a engordar os cofres municipais; votou contrário aos projetos de iniciativa popular que pediam transparência nas contas públicas e CPI dos gastos públicos e ainda fez vistas grossas para a má administração da urbe.
Outro dia, descobriu-se que ele indiretamente concorre para o aumento da criminalidade juvenil: comenta-se que o mesmo é usuário de entorpecentes e que consome sozinho, a metade do que consome todos os usuários dos bairros periféricos. Suas madrugadas são regadas a pó, tequila e orgia.
-Galera, acho que vou morrer de cheirar!
-Vai trepar um pouco, playboy!!
Apesar da sua conduta privada ser reprovada por uma grande parcela do público, sua conduta pública era desprezada por uma pequena parte da sociedade. No entanto, há uma minoria de amigos que o aplaude e uma grande maioria para a qual as atitudes do nobre vereador não são nem conhecidas. Muitas vezes os representantes dessa maioria trocavam ignorâncias:
-Você sabe o que um vereador faz?
-Não sei e tenho raiva de quem sabe.
A adrenalina que faz falta ao seu corpo ele a consegue dirigindo em alta velocidade. Faz isso três vezes por semana na rodovia interestadual. Uma vez por mês retira da parede sua Winchester e dirige-se ao lago. Há quem diga que já o viu colocar o cano da arma na própria boca. Há quem afirme que era uma moça quem estava deitada no chão com o cano da arma na boca. Ninguém sabe ao certo. Só se sabe o que uma ex falou imitando a careta e a voz dele:
-Acho que nunca vou morrer, menina!
-Vai fuder muita gente antes, safado!
Todo primeiro domingo do mês inventa congressos, diárias ou assunto pessoal e parte para a capital. Vai para a casa de dona Zilu. Lá, sentia-se à vontade. Era querido pela proprietária e por algumas de suas meninas que o recebiam com efusão de abraços e sorrisos interessados. Na casa de Zilu ele pode dormir em qualquer cama e com qualquer mulher. Às vezes, a anfitriã o olha com um olhar de cobiça:
-Você e seu pai... Como são parecidos!!
-Não, nem tanto, é sua memória que iguala as coisas!
Na volta, se tranca em casa e não sai do quarto por dias. Uma vez por semana vai à Câmara municipal. Quando ouve propostas, projetos ou discussões que o irritam, desliga-se como quem dorme. Fica passando a caneta entre os dedos. E sonhando. E acorda com os tiros que deu nas capivaras outro dia. Fica triste, pois se lembra que teve de voltar para a cidade antes mesmo que elas pudessem boiar.