A máscara cinza do anonimato
“Que importa a paisagem, a Glória, a baía, a linha do horizonte?
-O que vejo é o beco”.
Manuel Bandeira
A cidade tinha cinquenta anos de ignorância. Era uma típica cidade projetada para trabalhadores. Seus administradores tinham cargos de prefeito e vereadores e, se pudessem, morariam na cidade vizinha. Todos se sentavam em cima de seus cargos com medo deles fugirem.
Havia poucos empregos que seguravam os trabalhadores e trabalhadoras pelo estômago. Domesticam-nos das sete da manhã até a sirene da fábrica. Depois disso, eles e elas corriam para suas casas, para os botecos e televisões. Apressavam-se como nos grandes centros. Talvez por culpa das máquinas que operavam o dia todo, talvez não.
O fato é que alguns ficavam bebendo às margens relvadas do rio que cortava a cidade ao meio. A maioria veste a máscara cinza do anonimato. Os donos da cidade até gostam que eles se mascarem, desse modo podem desgovernar a urbe sem precisar olhar nos olhos deles.
Tinham, aproximadamente, duas horas de alívio entre o fim do expediente e o caminho de casa. Por isso, bebericavam seus conhaques e golavam suas cervejas enquanto a paz do álcool baixava sobre eles como a fumaça das queimadas sobre as plantações. Pareciam um quadro pintado à sombra em um dia frio.
O álcool cumpria sua função de narcótico enquanto o rio cumpria seu destino de viagens. Na parte alta da cidade ele ainda era limpo, mas quando descia agalopado para a parte baixa trazia na correnteza um caldo grosso e sujo de latas de cerveja, fraldas e sacolas. Os bêbados seguiam com olhares apáticos o passeio tosco da poluição.
A cidade era metade cimento e metade solidão. Os políticos gritavam, a cada quatro anos, de cima dos palanques o asfaltamento completo da urbe, no entanto, às portas fechadas repartiam o orçamento público. Enquanto isso, nos dias chuvosos crianças rebeldes agradeciam aos céus por não poderem ir à escola.
De vez em quando algum político ousado rodava de carro pela periferia e, se acaso, via as pessoas de caras alegres, concluía que as coisas ficariam ruins para sua classe. Sabia que o cidadão feliz não precisa de representante, pois a felicidade é uma fotografia de corpo inteiro, vestido e alimentado.
O pôr do sol carmesim e o nascer do sol alaranjado davam àquela cidade uma fachada poética. A vegetação do cerrado completava o cenário. O estrepitoso exército de aves que pousava nas várzeas próximas coloria o entardecer provinciano. Entretanto, todo esse drama campestre encerrava-se à noite, assim que a cortina se fechava. Fechavam-se também os olhos das pessoas para a fuga do sono.
Nem todos fugiam. Alguns chegavam de ônibus à praça central. Eram Lucas, Marias, Césares e Daianes que, vindos da faculdade noturna, ainda tinham tempo de parar um pouco sobre a ponte e contemplar o rio. Olhavam para baixo e não viam somente a lua – como seus pais e suas mães – viam a poluição e o descaso. E isso era já uma forma extraordinária de ver.