O Estado Contra "Evergreen"

Harry me ligou da distribuidora, muito nervoso.

- Levaram todo o nosso estoque da "Evergreen" nº 32!

- Calma! Quem levou, Harry? - Indaguei.

- A polícia, a mando do gabinete do promotor.

- Sob qual acusação?

- Material obsceno, indecência...

Pus a mão no queixo.

- Material obsceno? A "Evergreen" é uma revista literária de fama internacional! Nesta edição, temos artigos de Norman Mailer, Eugene Ionesco...

- ... e Wayland Young. O problema está com esse último - atalhou Harry.

Lembrei-me. O artigo era provocativo, talvez beirando mesmo o obsceno. Mas era uma obra artística, um capítulo do novo livro de Young, "Eros Denied", ainda a ser lançado.

- E levaram o George em cana! - Acrescentou Harry, referindo-se ao dono da distribuidora.

- Isso é sério... vou mandar um advogado à delegacia.

- Estão atrás de você também, Harry. Acho que expediram um mandado... melhor não ir ao escritório por uns dias.

Resmunguei um palavrão - e me lembrei de algo importante.

- Espere... a polícia tinha um mandado para recolher as revistas?

- Eu... não sei - hesitou Harry. - Mas quem se atreve a contestar a polícia?

- Nós vamos contestar - respondi com firmeza. - Sem mandado, não poderiam nunca ter levado as revistas.

A batalha judicial nos custou alguns meses - e prejuízo comercial - mas tivemos ganho de causa numa corte federal no Brooklyn, em meados de junho de 1964. E com a decisão favorável da Suprema Corte poucos dias depois, extinguindo a proibição sobre a venda de "Trópico de Câncer", de Henry Miller, o promotor do caso "Evergreen" foi obrigado a rever seus conceitos e retirar as acusações de obscenidade feitas quanto à revista.

Também muito contribuiu para isso o fato de que havíamos recuperado a posse das 20 mil revistas confiscadas. Sem elas, admitiu o promotor perante a juíza do condado, ele não dispunha de evidências que fundamentassem o caso.

- Uma típica situação de aplicação da Primeira Emenda - declarei aos jornais quando saímos do tribunal. - A polícia, sob qualquer pretexto, não poderia proibir jamais a livre expressão artística.

- E o que dizer das fotos do fotógrafo Cadoo, que foram consideradas pornográficas pelo promotor? - Indagou um repórter com cara de fuinha.

Encarei o sujeito de cima a baixo, e retruquei:

- Se você acha o trabalho de Cadoo pornográfico, então deveria mandar confiscar dos museus as obras do maior escultor da nossa época, Auguste Rodin. Não há nada que Cadoo faça, que Rodin já não tenha feito.

E com essa importante vitória da liberdade de imprensa sobre as forças do obscurantismo, abalei-me para a redação da "Evergreen" em Nova Iorque, onde iríamos começar a imaginar novas afrontas ao establishment para a próxima edição da revista.

- [27-09-2018]