O MISSIONÁRIO E A VIÚVA.

Fernando estava eufórico pois fora convidado a ministrar uma palestra em um importante congresso da juventude em Uberaba, Minas. Amigos o indicaram aos organizadores. Recebeu um pôster do encontro, com sua foto entre os palestrantes do evento. O tema de sua palestra seria: Amor ao próximo!!! Um tema abrangente e fácil, pensou. Três semanas depois, despediu-se da esposa. -" Vai percorrer 184 quilômetros!!! Deveria ter levado o carro na revisão!" Fernando sorriu. -" Vai dar tudo certo! " Fernando entrou no carro. -" Seu caderno de anotações? " Fernando não tivera tempo de preparar a palestra. -" É um tema fácil. Vou preparando no caminho!!!" A esposa o beijou. -" Você sabe o que faz! Boa viagem." Saiu da cidade e ganhou a rodovia. Ouvia música gospel enquanto apreciava a paisagem. Iria pernoitar em Uberaba já que sua palestra seria às dez horas da manhã. Duas horas era tempo demais, faria uma dinâmica a cada meia hora para não dar sono nos jovens. Pensou. Tudo ia bem. A estrada, um tapete. O carro, voando baixo. Teria a noite no hotel pra preparar melhor a palestra. Ótimo. Parou num posto de gasolina. Abasteceu, apenas. Olhou para a loja de conveniência. Pra que comprar comida se chegaria em pouco tempo ao destino??? Saiu dali veloz. Trinta quilômetros depois, o tempo mudou. O céu ficou escuro. Trovões anunciavam chuva. Escutou um barulho estranho. Uma fumaça branca saia do capô. Parou o veículo no acostamento. O escapamento caira. O radiador fervera. O pneu traseiro murcho. Lembrou-se da fala da esposa. A tarde caiu. Um caminhão vinha sentido contrário. Fernando fez sinal mas o caminhoneiro seguiu. Olhou para os lados. Notou uma casa amarela a uns 400 metros da estrada. Trancou o carro e foi lá pedir ajuda. Um cachorro latindo e o jardim bem cuidado denotava que alguém morava alí. A chuva caiu. Uma senhora abriu a porta. -" Tarde, dona!!! Preciso de ajuda!!!" A mulher fez sinal para que ele entrasse. -" Entre!!! Pode pegar um resfriado." A chuva aumentou. -" Sou Fernando. Vou pra Uberaba mas o carro quebrou!!!" A mulher sorriu. -" Prazer. Sou Cida. Moro sozinha. Quem pode lhe ajudar é o Tião. Ele tem trator e caminhão." Fernando percebeu que estava em apuros. Por sorte saira um dia antes do congresso. -" Esse Tião mora a dois quilômetros daqui, moço!!!" Fernando se levantou da cadeira. -" Não pode sair pois é perigoso. Raios matam. Amanhã cedo você vai até ele!!!" A barriga dele roncou. Cida não recebia visitas há tempos. Fernando observava os móveis antigos, o quadro de um jovem casal na parede, que intuiu ser a mulher e o esposo. Havia lampião aceso na cozinha. Uma lamparina na sala. -" O moço aceita uma janta???" Fernando aceitou. Estava faminto. A mulher mexia nas panelas, sobre o fogão de lenha. Começou a falar sua história. Nascera ali. Fernando dava-lhe atenção pois intuira que ela era carente disso. -"Cadê o esposo da senhora???" Ela veio até a porta da cozinha. -" Se foi há seis meses. Meia noite... Caiu duro aqui na sala. Vesti o Gilberto e o coloquei no sofá. Aí fui chamar o Tião." Fernando se assustou. -" Não teve medo? Saiu sozinha na escuridão????" A viúva sorriu. -" Medo?? Quem tem fé não tem medo. Gilberto só me fez bem durante quase 50 anos, enquanto vivo. Não ia fazer mal depois de morto!!!" Fernando concordou. -"As aves não tecem, não trabalham, nem fiam mas Deus cuida delas. Nós que somos imagem e semelhança, vixe!!! Ele cuida muito mais!!!" Concluiu a senhora, colocando um prato de comida quente na mesa. Arroz, rúcula, tomate, abóbora e torresminho. -"A senhora me faz companhia???" Cida sorriu. -" Não vou jantar pois como goiabas inda pouquinho!!! Fica a vontade, senhor Fernando!!!" Cida trouxe-lhe um copo de limonada. O cachorro arranhava a porta, assustado com os trovões. Fernando se deu por satisfeito. -" Eu levo o prato na pia. Delicioso. Que Deus lhe abençoe, dona Cida!!!" Fernando se levantou. -" Ele sempre abençoa. Com licença, vou pôr o Rex pra dentro!!!" Fernando foi a cozinha. Tivesse mais comida, repetiria. Comida igual a da sua avó. Abriu uma panela, ainda quente. Vazia. Abriu outra panela. Vazia. A casa sem geladeira. Num armário só um vidro com café e um saquinho de sal. Fernando engoliu em seco. Uma lágrima caiu. Dona Cida deixara de comer para que ele comesse. Ela lhe dera tudo que tinha. O cachorro entrou e se estatelou num tapete. A mulher fechou a porta. A chuva forte recomeçou. Meia hora depois. -" Pode ocupar o quarto de hóspede. Eu vou rezar meu terço e me deitar! Aqui dormimos com as galinhas. Cedo!!!" Fernando bocejou. -" Também vou me deitar. Muito obrigado, dona Cida!!Boa noite!" A mulher sorriu. Fernando se perguntava porque sorria tanto se tinha uma vida difícil, morando só ali no fim do mundo??? -" Boa noite, filho.Vai dar tudo certo!!!" Ela parecia ler os seus pensamentos. Fernando acordou com um bom cheiro de café. O sol nascerá a pouco. Só dei tempo de ver que eram seis horas é a bateria do celular zerou. -" Meu Deus! Chegarei a tempo??? Vou chamar o tal Tião!!!" " Pensou. O cachorro latiu. -" Oh, de casa. Dona Cida???? É o Tião, velho de guerra!!!Eu e o caminhão." A mulher abriu a porta. -"Entre. Fiz café agorinha..." Fernando saiu do quarto com a cara e a roupa amarrotada. Lavou o rosto num tanquinho, fora da casa. -" Deus o mandou, compadre. Esse é Fernando. O carro dele quebrou... Ele já ia lhe chamar." Disse Cida. -" Prazer. Tião. Dona Cida, o povo da igreja me deu uma cesta básica. Vim trazer pra senhora.." Fernando colocou a caixa da cesta básica pra dentro da casa. -" Rapaz, como choveu essa noite!!!! Vamos lá ver seu carro, senhor Fernando!!!!" O homem deixou o radiador com água, pneu cheio mas o carro não dava partida. -" Tem coisa grave aí." Fernando se desesperou. -" Tenho de estar as dez em Uberaba!!!" Tião tirou o chapéu. -" Trinta quilômetros a frente. Eu rebocarei seu carro. Lá tem oficina boa!!!" Fernando aceitou. Eles se despediram de Cida. Fernando estendeu uma nota de cem reais a Tião. -" Se for pagar, pode descer. Eu faço o bem gratuitamente. Não aceito pagamento." Fernando guardou o dinheiro. -" Que Deus lhe dê em dobro." Tião deixou o carro de Fernando numa oficina conhecida e levou Fernando ao local do congresso. Ele queria aguardar mas Fernando disse que o evento iria até o dia seguinte. -" Tá aqui meu telefone Se precisar, me liga!!!" Fernando o abraçou. Restavam 30 minutos para o início de sua palestra. Ele falou com os organizadores. Entrou no palco. Foi aplaudido. Câmeras filmando e fotografias. Primava pelos ternos alinhados em suas pregações mas agora, estava meio amassado. O cabelo despenteado. O importante é a mensagem, pensou. Se apresentou aos 600 jovens. Decidiu contar sua trajetória até alí. Falou da esposa, do carro, da chuva, do cachorro, dons Cida e Tião. Sentira o amor ao próximo. Ele foi o próximo daquelas pessoas. Faltou tempo para tanto que queria dizer. Não precisou de dinâmicas pois os jovens nem piscavam, prestando atenção a tudo. A palestra foi um sucesso. Aplaudido de pé, Fernando estava emocionado. Decidiu dormir no ginásio,ventre os jovens, colchonetes. Sentou-se jovem e renovado. O dia foi de palestras e troca de experiências. Após o almoço o congresso foi encerrado. Os organizadores deram-lhe cheque com uma boa quantia. -" A melhor palestra que já assisti!!" Disse um deles. A muito custo conseguiu sair do ginásio pois os jovens queriam abraços e autógrafos dele. O carro estava pronto. -" Quanto ficou a brincadeira???" O mecânico sorriu. -" Nada. Eu estava no congresso. Eu saí de lá diferente, senhor Fernando." -" Que Deus lhe pague!!!!" Fernando estava de novo na estrada. Parou no local onde o carro quebrará. Foi a casa de dona Cida. Bateu palmas. Ninguém apareceu. Nem rex latiu. Empurrou e a porta se abriu. Colocou o cheque sobre a mesa de madeira, com um bilhete. " Com carinho, Fernando!!!"Seguiu viagem de volta. Chegou em casa, enfim. A esposa o recebeu feliz. -" Eu o vi, em pensamento, parado na estrada, o carro quebrado!!!" Fernando sorriu. - " Viste corretamente mas também viu os anjos ao meu lado????" Após banho e lanche, ele contou tudo a esposa. FIM. (Marcos Dias Macedo).

marcos dias macedo
Enviado por marcos dias macedo em 16/09/2018
Reeditado em 17/09/2018
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