HOMENS E MULHERES VÊM DE PLANETAS DIFERENTES

O Dr. Rajid cumprimentou o casal e depois deu-lhes passagem, apontando para as duas cadeiras em frente da mesa atrás da qual se costumava sentar.

Olhou-os disfarçadamente, procurando avaliar do seu estado de espírito.

Estavam nervosos, era a segunda sessão para tentativa de reconciliação, caso contrário o divórcio esperava-os, através de um longo processo que sem acordo seria litigioso e complicado para ambos.

Folheou o processo à sua frente. Ambos de meia idade, tinham um filho adolescente. Anabela e Arnaldo tinham profissões liberais e um bom nível de vida.

Por fim, o dr. Rajid quebrou o silêncio:

- Então já dialogaram, já têm uma decisão tomada? Espero que seja a favor da reconciliação.

Anabela, como sempre mais expedita, adiantou-se: - Não doutor, não se vê viabilidade para isso, somos muito diferentes, tal como a noite e o dia. As brigas são constantes e a separação é o único caminho para acabar com elas.

- Pois também creio ser essa a melhor solução – pronunciou-se Arnaldo.

- Não querem pensar um pouco mais? Essa decisão será penosa e irreversível para ambos.

- A decisão está tomada – disse Anabela.

- É isso mesmo – assentiu Arnaldo.

- Caros consulentes, eu acho que o vosso problema é comum a imensos casais, o diálogo poderia resultar em flexibilidade e entendimento relativamente aos desejos e posições do outro.

- Diálogo? – interrompeu Anabela. – Como é possível? Como referi na outra sessão ele detesta a minha mãezinha.

- Pois, aquela santa… O cúmulo do snobismo…

- Não é nada, tu é que és embirrento.

- Ela gosta de mim?

- Isso não interessa. De qualquer modo também nunca fizeste nada para a cativar.

- Cativei a filha e já foi obra…

- Vamos lá a ver por quanto tempo, né?

- Para além disso também há adultério da parte dele.

Arnaldo reagiu com alguma veemência – Penso que a haver adultério, foi dos dois lados.

- Como assim? Que provas tens?

- O Rogério disse-me que já dormiu contigo.

- Mentira! Eu confesso que num momento de cabeça perdida pelo teu feitio embirrento, aceitei o convite para me encontrar com ele num hotel, mas arrependi-me e não apareci, deixei-o dependurado. Nunca seria capaz de te atraiçoar! – e dizendo isto baixou os olhos e as faces queimaram com as lágrimas que derramou.

Arnaldo olhou-a e disse, segurando-lhe as mãos com carinho.

- Estás enganada, nunca te atraiçoei. É verdade que estive uma vez com a Sandra, a esposa do Armando, num motel. Mas nem demorei no quarto. Achei que ia fazer um tremendo disparate, entrei no banheiro e logo saí, deixando-a na cama, estupefacta. Eu amo-te muito, temos anos e anos de vida em comum, passámos necessidades no princípio de vida e foi isso que nos uniu. Possivelmente o problema agora é o oposto, temos uma existência sem dificuldades e a rotina também provoca alguma pasmaceira…

- Hum… Quando eles iam a nossa casa eu bem via como ela se chegava a ti, os olhares intencionais que se cruzavam, por vezes até pousava a mão na tua coxa, despreocupadamente… Que puta!

- Isso pode ser tudo verdade, mas eu nunca lhe toquei, acredita. – Dito isso, Arnaldo levantou-se e aproximando o rosto do dela, afirmou:

- Estamos aqui agora e sinto que esta é a minha última oportunidade. Se não te abraçar vou perder-te para sempre. E eu não quero isso. Apenas desejo, muito, que me perdoes seja o que for que tenha feito de mal e acredites em mim!

Anabela também se levantou lentamente e depois aninhou-se nos braços dele – Quero acreditar em ti, desejo-o muito. Mas será que não voltamos ao mesmo?

- Só depende de nós, amor. Sei que não sou muito romântico, mas acredita que te valorizo muito. E não posso imaginar sequer uma noite sem a tua companhia…

Arnaldo pegou-lhe no queixo, olhou-a profundamente, olhos com olhos e beijou-a docemente.

Estiveram assim alguns minutos, esquecidos do tempo. Por fim o Dr. Rajid levantou-se da cadeira, embevecido com a cena e perguntou-lhes:

- Posso arquivar o vosso processo?

Eles responderam ao mesmo tempo que sim e sorriram, felizes.

O Dr. Rajid acompanhou-os à porta, satisfeito por aquele caso estar arrumado.

Ao passar a porta, Anabela deu um último aviso:

- Ah, uma coisa… Não quero mais aqueles dois estupores em nossa casa, está bem?

- Claro, amor.

Ferreira Estêvão
Enviado por Ferreira Estêvão em 15/09/2018
Reeditado em 10/02/2020
Código do texto: T6449461
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