A LOCOMOTIVA

Tínhamos acabado de chegar na cidade de Santa Rita, era umas cinco horas da tarde e meus pais estavam terminando de arrumar a casa, desembalando as coisas. Enquanto isso, eu aproveitei para ir observar onde estávamos realmente, pois na correria não havia prestado muito atenção ao ambiente. A casa onde fomos morar era amarela com detalhes rosa, com uma garagem enorme e algumas flores malcuidadas num pequeno jardim. Não sabia o porquê de eles terem se mudado para aquela cidade pequena e cheia de colinas e árvores enormes. Inicialmente, eu não queria ir, mas meu pai falou que lá iria ser bem melhor. E que para onde eles fossem, eu iria também, sem questionar. Essa era a desvantagem de ser filha única e ainda ter apenas 11 anos.

Estranhei bastante o fato de ter agora um quintal cheinho de pés de frutas, como: abacateiro, goiabeira, mangueira entre outras que não lembro o nome agora. Para quem antes morava em apartamento, tinha sido uma mudança e tanto. Vi alguns animais que antes só tinha visto em livros de ciências, como algumas vacas, burrinhos e até galinhas. Fiquei um pouco no muro observando tudo com bastante curiosidade. Mais adiante tinha um garoto descalço, em pé e com um animal no braço. De onde eu estava não dava para saber que bicho ele estava segurando. Fiquei curiosa e resolvi aproximar-me dele.

- Oi? – Falei, mas ele ficou calado. Agora dava para ver que ele segurava nos braços um carneirinho.

- Oi? – Insisti. Ele apenas me olhava sem responder.

Fiquei em pé ao seu lado, quando de repente ouvi um apito bem alto, tipo “Piiiiiiiiuiiiiiii!!!”, chegando a me assustar. O barulho vinha de trás da colina no fim da rua. Fiquei olhando, assustada.

- É o apito da locomotiva avisando que é hora de passar. – Falou o menino que até então estava calado olhando para mim, enquanto alisava o carneirinho.

- Locomotiva? Mas, o que é uma locomotiva? Perguntei curiosa.

- Venha ver! Exclamou, soltou o animal e saiu correndo.

Lógico que fui atrás dele. Fomos em direção a colina e do alto ele apontou seus dedinhos sujos para baixo e lá estava passando apressadamente como se fosse uma serpente gigante, soltando fumaça pela cabeça. Nossa, como fiquei maravilhada. Encantada. Olhei para o garoto e perguntei:

- Para onde ela vai? E como faz para correr assim tão rápida?

- Toda a tarde ela passa aqui. E mainha disse que vai pra outra cidade. E tem um home que dirige. - Falou todo empolgado.

Fiquei pensando como seria divertido andar nela. Sentindo o vento nos cabelos. Olhei para o lado, pronta para fazer outra pergunta e ele não estava mais lá. Que moleque esquisito. Vejo-o voltando com o seu carneirinho, corri para alcançá-lo, porém, ele foi mais rápido; vi-o entrando em uma casa do outro lado da rua. Voltei a ficar sozinha. Baixei a cabeça e entrei em casa.

No dia seguinte, durante o café da manhã, falei para meus pais sobre a locomotiva. Eles não deram muita atenção. Apenas sorriram. Mas a imagem daquela máquina cuspindo fumaça não saía da minha cabeça. Queria ver de perto, dessa vez tinha que dar um jeito de descer a colina.

Fui para o portão da frente e fique na esperança do garoto aparecer. Foi tudo muito rápido. Nem deu tempo de perguntar o nome dele. De repente, no final da rua vejo-o correndo com uma pipa rosa nas mãos indo em direção a colina. Saio de fininho e corro atrás dele, desesperadamente. Num esforço sobrenatural consigo ver a pipa, mas nada do menino. Não desisto e finalmente deparei-me com ele descendo a colina, puxando a pipa com um cordão. Tive um pouco de medo, afinal, era um pouco alto de onde eu estava. Continuei assim mesmo. Chegando no meio do percurso, tropecei e caí rolando feito uma bola, atropelando tudo pela frente, inclusive o moleque. Fomos parar numa poça de lama bem no pé da colina. O garoto olhou para mim espantado:

- De onde cê veio? E porque bateu em neu? Ô menina maluca! – Argumentou todo encabulado.

- Calma! Eu caí em cima de você. – Falei meio sem jeito. – E desculpa, foi sem querer. Olhei para meu vestido e estava todo sujo de lama. Quase chorei. Quando as lágrimas estavam prestes a cair, escutei o barulho do apito que fez meu coração acelerar. Olhei para o menino e este apontou para os meus pés. Baixei os olhos e vi que estávamos bem nos trilhos da serpente de ferro. Então ele falou:

- Corre! Corre! – Gritou apontando para o outro lado.

Fiquei como que hipnotizada, sem conseguir sair do lugar, contemplando a magnitude daquela Locomotiva vindo em minha direção. Fechei os olhos sentindo o vento em meus cabelos vindos dela. Por alguns segundos imaginei sendo levada por ela até as nuvens. Mas, no auge dos meus delírios, senti aquele puxão, quase deslocando o meu braço e um grito estrondosamente agudo, tirando-me do transe:

- CORRE PRA NÃO MORRÊÊÊÊ!!!!!!! – Gritou o garoto, puxando-me bruscamente para dentro de uma moita de capim-santo. Quase morri de susto. Fiquei por alguns minutos nessa posição, esperando ela passar. – Ocê é doida é? Menina da cidade, aqui não se brinca de morrê não, visse, pro mode que morri mermo. Oxe! Oxe!

Depois desse episódio, fui para casa toda suja, com arranhões por todo o corpo, porém, com um sorriso tímido nos lábios e a sensação de que meus dias naquela cidade nunca mais seriam os mesmos. E não foram mesmo não. Rssrs!!!

Debora Oriente
Enviado por Debora Oriente em 08/09/2018
Reeditado em 08/09/2018
Código do texto: T6442966
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