Filósofos baratos
[Dedicado a Natália Amanda]
* * *
“A cidade é uma máquina de moer vidas e transformá-las em coisas simplórias”. Disse Amanda fitando o céu.
Estávamos os dois sentados em frente ao açude num final de tarde. Uma brisa fresca muito bem vinda corria das águas para a margem.
Por trás dos morros distantes o dia morria assim como o cigarro que compartilhávamos: De mão em mão, de boca em boca. Dei uma forte tragada até sentir o peito cheio e prendi a respiração enquanto lhe devolvia o toco. Um delgado fio de fumaça azulada subia e se perdia entre a luz e as sombras. Eu fitava o açude: Havia ondinhas na superfície da água. Ondinhas na superfície da água... Já havia lido algo parecido em algum lugar... Soltei a fumaça que foi desfazendo soprada para cima de nossas cabeças.
Amanda se calara. Éramos então duas silhuetas taciturnas.
Ali sentado eu sentia as pálpebras pesarem e ouvia uma sinfonia sem igual sendo tocada pelo vento roçando as folhas das árvores ou correndo sobre a água. Revoadas de pardais dançam no céu em dégradé. O som de seu voo e o bater de asas se transformava em cores:auras coloridas, círculos que se moviam enchiam e murchavam de acordo o ritmo tocado e eu sabia que tudo aquilo fazia parte da viagem.
Mas aquela frase vinda dela foi mais que simples fruto de uma viagem da erva. Era algo bem mais profundo; como uma verdade que se ignora tão enterrada que está dentro de nós, mas que conhecemos de imediato ao vê-la sendo exposta ou talvez fosse mais que isso, talvez fosse a pedra no sapato que sentimos, mas não vemos. Mas ela está ali, e incomoda arranha e fere a cada passo dado.
Ou talvez estivéssemos apenas tão entorpecidos que podíamos estar vendo estrelas do mar na lagoa, auras flutuando sobre a água, falando e ouvindo bobagens. Ainda assim horas depois eu lembrava bem aquela dita frase e sabia que viera de um momento de pura sobriedade.
Era crua demais para não ser verdade.
À nossa frente estava a aguada. Atrás o casebre cercado de sombras pela noite que nascia das beiradas e mais além deste a civilização vivendo sua fatigada rotina numa tarde de sexta-feira que morria lenta, mas confusa, cacofônica, sob as faixadas coloridas de lojas e buzinas gritando enlouquecidas. O mundo mantinha-se firmemente materializado ao nosso redor e nós o ignorávamos.
Éramos o centro e nossas mentes giravam em uníssono num poderoso vórtice e eu compreendia com facilidade o que era cidade ao longe.
A cidade é uma máquina...