O DESEJO REFLETIDO
Eu vejo meu desejo refletido no espelho. Tudo que eu sempre quis ser estava ali. Um homem de corpo atlético e bem sucedido na sua carreira profissional. Desejado por qualquer mulher que atravesse meu caminho. Sem ninguém para dizer o que fazer e a que hora fazer. Sorrio ironicamente para fechar o momento de fantasia.
Visto meu uniforme de trabalho, caminho até a minha pequena cozinha e como o pão com riscos de margarina empurrando-o goela abaixo com um pouco de café mal adoçado.
Vinte e cinco minutos depois a labuta de mais um dia começa. Duro por não ter tido sequer oportunidade de concluir o meu segundo grau. Diz meu filho que hoje se chama Ensino Médio.
Os olhos de alguém me acompanham. Deve ser de alguém que me conhece ou quer me conhecer. Tenho desejo de matar quem se aproxima de mim.
Não tenho tempo de perceber quem me olha. O caminhão avança pela avenida recebendo em sua parte posterior todo entulho que os lares dessa cidade deixam nos latões. Sou um honroso coletor de lixo do serviço municipal de limpeza urbana.
Não, não é o trabalho que me magoa, mas a vida. A vida é totalmente chata. Tudo deu errado. Nem casamento feliz, nem sou chamariz de mulheres. A tal seleção natural de Darwin, como li no livro do meu filho, não me selecionou. Deu merda comigo.
Quando falo que não sou feliz é que não sinto mais amor pela esposa. Agora é alguém a mais dentro do barraco. Não faz o serviço doméstico direito. Ganha alguns trocados vendendo perfumes de casa em casa. Não sinto nem o odor do dinheiro que ela ganha. Não sei quanto é e como gasta. Aqui e ali, o menino está de roupa nova, tênis novo ou alguma bugiganga eletrônica.
As horas vão se passando e o grilhão do meu trabalho vai pesando até o momento de me livrar dele por algumas voltas do ponteiro. Tempo, enfim, de voltar para casa e esperar a hora do futebol. Hoje tem jogo do meu time querido. Não anda ganhando. Mas é meu time querido, mesmo quando caiu para a segunda divisão. Diálogo e afetividades com a esposa é algo raro. O filho não me tem como seu herói. Prefere os jogadores do futebol estrangeiro. O menino sonha em jogar no Barcelona. É assim que a vida se deteriora dentro de mim. Não sonho mais. Vou fazendo o que tenho que fazer e pronto.
Dentro do meu quarto, no espelho grande da penteadeira, eu me vejo novamente. E nele o reflexo aflora cada vez mais revigorado. Nele meu desejo. Prefiro assim para não enxergar o monstro que cresce dentro da minha alma.
Visto meu uniforme de trabalho, caminho até a minha pequena cozinha e como o pão com riscos de margarina empurrando-o goela abaixo com um pouco de café mal adoçado.
Vinte e cinco minutos depois a labuta de mais um dia começa. Duro por não ter tido sequer oportunidade de concluir o meu segundo grau. Diz meu filho que hoje se chama Ensino Médio.
Os olhos de alguém me acompanham. Deve ser de alguém que me conhece ou quer me conhecer. Tenho desejo de matar quem se aproxima de mim.
Não tenho tempo de perceber quem me olha. O caminhão avança pela avenida recebendo em sua parte posterior todo entulho que os lares dessa cidade deixam nos latões. Sou um honroso coletor de lixo do serviço municipal de limpeza urbana.
Não, não é o trabalho que me magoa, mas a vida. A vida é totalmente chata. Tudo deu errado. Nem casamento feliz, nem sou chamariz de mulheres. A tal seleção natural de Darwin, como li no livro do meu filho, não me selecionou. Deu merda comigo.
Quando falo que não sou feliz é que não sinto mais amor pela esposa. Agora é alguém a mais dentro do barraco. Não faz o serviço doméstico direito. Ganha alguns trocados vendendo perfumes de casa em casa. Não sinto nem o odor do dinheiro que ela ganha. Não sei quanto é e como gasta. Aqui e ali, o menino está de roupa nova, tênis novo ou alguma bugiganga eletrônica.
As horas vão se passando e o grilhão do meu trabalho vai pesando até o momento de me livrar dele por algumas voltas do ponteiro. Tempo, enfim, de voltar para casa e esperar a hora do futebol. Hoje tem jogo do meu time querido. Não anda ganhando. Mas é meu time querido, mesmo quando caiu para a segunda divisão. Diálogo e afetividades com a esposa é algo raro. O filho não me tem como seu herói. Prefere os jogadores do futebol estrangeiro. O menino sonha em jogar no Barcelona. É assim que a vida se deteriora dentro de mim. Não sonho mais. Vou fazendo o que tenho que fazer e pronto.
Dentro do meu quarto, no espelho grande da penteadeira, eu me vejo novamente. E nele o reflexo aflora cada vez mais revigorado. Nele meu desejo. Prefiro assim para não enxergar o monstro que cresce dentro da minha alma.