UMA PALESTRA FICTÍCIA

Bom dia amigos.

Quero agradecer ao Poder Superior mais um dia de existência e a oportunidade estar aqui, no meio de vocês, sendo convidado para dizer algumas poucas palavras neste importante evento comemorativo de 43 anos de existência de AA no Rio Grande do Norte. Agradeço a acolhida de vocês à minha participação enquanto técnico, pois muito aprendi sobre uma das doenças mais terríveis da humanidade: o alcoolismo. Uma doença que os bancos da academia não ensinam como melhor abordar a questão, como melhor orientar ao alcoólico que se encontra mergulhado nos miasmas da embriagues.

Confesso que o AA me ensinou a descobrir o ser humano que existe sob a pele do famigerado alcoólico, ser desprezível que não escuta nem respeita amigos ou parentes, que abandona o trabalho e as responsabilidades do lar, da ética e do respeito ao Criador, e destrói a cada dia o melhor presente que o seu espírito recebeu: um corpo físico.

Este ser humano que se tornou alcoólico, pode chegar ao meu consultório ou receber minha visita dentro de uma enfermaria de hospital psiquiátrico, mas sem reconhecer que é portador dessa doença, não ver o prejuízo que está causando a sua vida e de quem esteja por perto na convivência. A minha fala, os comprimidos que eu possa prescrever para conter os sintomas que afetam a sua existência, não conseguem chegar ao núcleo da sua mente e dissolver o forte desejo que impede o juízo crítico de perceber o dramático de sua situação. Sou uma figura apenas paliativa, um médico que diz palavras de orientação, de advertência, às vezes com palavras duras, mas que não conseguem deter a atenção do alcoólico no ponto que ele mais está comprometido: a intenção de continuar bebendo da forma que ele deseja.

Fiquei muitas vezes frustrado, sentindo-me incompetente por não conseguir retirar o paciente dos laços dessa doença, nem mesmo de faze-lo reconhecer que é portador de tal patologia mental. Uma patologia que matava lentamente o meu paciente, ou as vezes de forma imediata, através do suicídio, de um acidente, de uma briga, de um acometimento fatal num órgão vital como o fígado, coração ou pâncreas.

Foi em tais circunstâncias que vim a conhecer a Irmandade de Alcoólicos Anônimos. Estudei a sua literatura e vi a importância da sua existência para o enfrentamento do alcoolismo, a doença invisível que mata lentamente a pessoa, destruindo todos os seus valores éticos e morais, atingindo inclusive seus familiares. Aprendi a falar, a convite, na cabeceira de mesa, sobre os meus conhecimentos técnicos, como médico psiquiatra, e como é importante o trabalho de AA para ajudar o alcoólico na ativa. Reconheci algo que na academia não ensinaram, da importância do Poder Superior, de Deus da forma que o entendemos, em nossa vida e principalmente na nossa recuperação. É ele que nos dá a força, conforme diz o segundo passo, para resistir ao forte desejo que habita dentro da minha mente, que está sedento pelo primeiro gole, pois é daí que vem tantos outros goles.

Hoje estou muito feliz, por ver este auditório cheio de doentes saudáveis. Pessoas que mantém a sua doença sob o controle dado por essa consciência coletiva que se manifesta aqui e agora e que se replica a cada momento, a cada dia, em praticamente todos os bairros da capital, todos os municípios do estado, todos os estados do pais, todos os países do nosso planeta.

Não sou alcoólico, mas quero agradecer profundamente a todos vocês, à Irmandade, por me reconhecer como membro, por ter me dado uma opção de vida que posso oferecer aos meus pacientes, a ser um profissional mais competente naquilo que digo e que faço, e por saber que o meu paciente pode encontrar bem perto dele, uma sala aberta que o receberá de braços afetuosos, sem preconceitos, que oferecerá um cafezinho, um local acolhedor para sentar e ouvirá de cada um que for à cabeceira da mesa histórias muito parecidas com a sua. Sentirá que naquele dia, naquele local, com aquelas pessoas, ele é a pessoa mais importante.

Muito obrigado pela atenção.