Conversas num Uber

José Luís Selares estava atrasado. Marcara com a dentista às 15 horas e já eram 15h:05min. Decidiu chamar um Uber. O carro chegou após 5 minutos de espera.

― O senhor vai para onde?

― Vou para o Centro. Para o Aeroporto Santos Dumont.

― O.k.. O senhor aceita uma bala ou um cafezinho, quer ler o jornal?

― Aceito uma bala.

A bala era de hortelã. José Luís estava preocupado. Se não chegasse na hora teria que pagar a consulta mesmo sem usufruí-la.

― O senhor parece tenso. Relaxe. A vida é muito curta para perdermos a cabeça. ― Filosofou o motorista do Uber tentando ser simpático.

― Falar é fácil, amigo. Sua única preocupação imediata é o trânsito, já eu tenho a vida de várias pessoas em minhas mãos.

― O senhor é médico?

― Não. Sou controlador de tráfego aéreo ― Disse José Luís esbaforido.

― O senhor está indo para o trabalho agora? ― perguntou Renato Guedes, o motorista do Uber.

― Não. Hoje é minha folga. Estou indo à dentista.

― Entendi. E o senhor está preocupado por que está atrasado?

― Isto mesmo. Tinha que chegar às 15 horas e já são 15h:15min...

― Qual é o seu nome?

― José Luís. ― Disse irritado o passageiro já achando que não ia dar tempo para chegar nem na tolerância de 30 minutos.

― Meu nome é Renato. Prazer, José Luís.

― Vou pegar um atalho. Prometo que vamos chegar a tempo.

Faltando cinco minutos para 15h:30min, o carro parou no endereço. José Luís pagou a corrida e saiu apressado do Uber. O motorista cumprira sua promessa. Após terminar sua consulta dentária, José Luís avaliou o condutor do Uber: cinco estrelas. Nota máxima. Ele mereceu.

Magali estava com uma amiga na rua Uruguai, na Tijuca. Queria ir a Copacabana. Invadir a praia da Princesinha do Mar. Magali ligou para o Uber já se imaginando tomando uma deliciosa água de coco.

O Uber não demorou.

― Pra onde vamos, senhoritas?

― Para praia de Copacabana, na altura do posto 2.

― Lido, não é?

― Sim. Isto mesmo. ― Responderam Magali e Joana.

― Aceitam balas, meninas?

― Qual é o sabor? ― perguntou Joana olhando com um sorriso para Magali.

― Tem de hortelã e de café.

― Aceitamos a de hortelã. ― Responderam em uníssono as duas amigas.

― Vocês estão indo se encontrar com os namorados?

― Na verdade, estamos indo lá para arrumar um namorado. ― Riram às gargalhadas as amigas de faculdade.

― Mas vocês são lindas. É difícil acreditar que estão sozinhas. ― Disse Renato Guedes mexendo a cabeça de um lado para o outro.

― Pois é. Estamos solteiras, mas sozinhas nunca. Nós estamos na pista…

O resto da viagem foi feito no mais absoluto silêncio. Renato Guedes era jovem, tinha 26 anos, mas não sabia lidar com adolescentes, apesar de já ter sido um. Ao chegar, ao destino, o motorista do Uber falou:

― Vocês não devem desanimar. Ainda falta uma semana para o dia dos namorados. Desejo sorte a vocês.

― Obrigada. Disseram as estudantes de 18 anos de idade. A avaliação delas ao serviço de Renato foi de quatro estrelas.

― Do que será que elas não gostaram? ― perguntou-se Renato Guedes desapontado por não ter conseguido a nota máxima.

O próximo passageiro era um executivo. Se não era, parecia um, já que estava de terno de grife e óculos escuros de marca estrangeira famosíssima.

― Vamos para onde, doutor?

― Vamos para Barra da Tijuca. O Shopping Downtown, por favor ― Disse o engravatado torcendo os lábios.

― Aceita uma balinha ou café? Se quiser ler o jornal...

― Você tem o Financial Times?

― Não…

― Então, esquece. Disse o janota rispidamente.

Por mais que Renato tentasse puxar assunto com o engomadinho, não teve sucesso.

Após a corrida, foi conferir sua nota: o cara deu cinco estrelas! Menos mal. Pelo menos, ele era justo.

A próxima corrida foi com um brasileiro e seu amigo gringo: um argentino!

― Boa noite, amigos! Para onde vocês desejam ir?

― Queremos ir ao Maracanã.

O.k.. Desejam uma balinha ou um café? Se quiserem tenho o jornal de hoje…

― Não, obrigado. Disse o brasileiro.

― Vocês vão assistir ao jogo do Brasil contra a Argentina?

― Si, Si… ―disse o hermano vestido com a camisa de Lionel Messi.

― Sim, vamos. Meu amigo argentino veio ao Brasil só para ver este jogo e eu, como bom anfitrião, estou levando-o ao templo do futebol brasileiro e mundial.

― A Argentina tem o Messi, mas nós temos o Neymar. Em casa, sou mais o Ney… ― disse o motorista do Uber com um sorriso maroto.

― Neymar é bueno, pero Messi es mejor. ― Disse o argentino com um sorriso que dava para ver seus dentes alvos como o leite.

Após 20 minutos de uma agradável conversa, os amigos sul-americanos chegaram ao Maracanã para assistir ao amistoso Brasil e Argentina.

Renato Guedes ia para casa, mas recebeu uma nova mensagem do aplicativo. Era mais um cliente. Já passavam das 22 horas, mas apesar do cansaço, Renato decidiu atendê-lo. Ganhar uma graninha extra é sempre bom.

O passageiro estava com cara de assustado. Parecia sob o efeito de álcool ou drogas, ou de ambos.

Renato perguntou-lhe para onde ele desejava ir.

Ele respondeu de pronto: a Vista Chinesa.

O motorista de Uber pressentiu que seu passageiro ia fazer alguma besteira. Ele tinha os olhos esbugalhados e vermelhos e batia as mãos, uma contra a outra, sem parar.

― Você é turista? O que vai fazer na Vista Chinesa a esta hora?

― Não é da sua conta. ― disse o rapaz que aparentava mais idade do que a que realmente tinha por causa de uma calvície prematura no topo da cabeça.

― Eu só quero ajudá-lo. A esta hora da noite você vai lá para ser assaltado. Lá só é seguro até as 17 horas, depois é pedir para ser roubado…

― E quem se importa? Perdi meus pais e minha namorada. Que se dane o mundo. ― Disse o passageiro com lágrimas brotando dos olhos avermelhados.

― O que aconteceu com seus pais e sua namorada?

Eles morreram?

― Sim. Eles morreram! E sabe quem estava ao volante do carro? Eu!!! Eles morreram, porque eu dirigi bêbado. Agora vou fazer a melhor coisa para mim. Vou deixar este mundo cruel e desumano e acabar com a dor que corrói meu peito...

― Você quer ir à Vista Chinesa para se matar? Você quer se jogar da Vista Chinesa?

― Sim. Isto mesmo. Vou apreciar a paisagem enquanto voo para o outro mundo.

De repente, uma viatura de polícia para o Uber de Renato Guedes. O passageiro não sabia, mas sua conversa estava sendo toda ouvida pela polícia, graças à esperteza do motorista de Uber, que percebeu que seu passageiro ia fazer uma grande besteira. O rapaz foi imediatamente encaminhado para uma clínica de recuperação de transtornos mentais. Ele precisava de ajuda para lidar com a grande culpa que sente pela morte de seus entes queridos e, agora, terá.

Renato Guedes não recebeu dinheiro, nem avaliação positiva pela última corrida do dia, mas sentiu-se recompensado por ter salvo uma vida de uma morte trágica e inútil, já que não se pode mudar o passado e tentar consertá-lo é apenas desperdiçar o próprio tempo.

FIM

Luciano RF
Enviado por Luciano RF em 15/08/2018
Código do texto: T6420136
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