Meu Primeiro Martírio
" Foi no final de 1994, eu com meus poucos cinco anos, sentada no meu penico cor-de-rosa na sala vendo TV e penteando os cabelos de uma boneca, digo a minha mãe que estou com sede. Quando ouço uma das piores frases da minha vida : - Aproveite que você ainda não está na escola, pois ano que vem você começa e a professora não vai apanhar as coisas para você!
Depois de terminar a frase senti um fel na boca e uma demasiada vontade de vomitar.
Escola? Como assim? Vou ficar horas perto de estranhos? Fora de casa? Sem meus brinquedos? Guloseimas? Amiguinhos dos quais sou acostumada?
Imediatamente meus olhos encheram-se de lágrimas, afirmei que não iria de jeito algum, passaram-se meses e chegou o dia.
Fui invadida por um pavor visceral. Arrumaram-me e me levaram ao tal pré, um lugar lotado de crianças de todos os tipos que pareciam alegres. Como ser feliz longe de casa?
Minha mãe conversava com a professora e de repente já não estava mais lá. A primeira sensação que tive foi de abandono, me senti traída. Mal me deixavam brincar na rua de casa com meus amigos de sempre; e agora estavam me largando num local lotado de pessoas barulhentas, bagunceiras; eu não precisava disso, já liam gibis para mim em casa, já conhecia a estória da branca de neve, gata borralheira, Dumbo, até a do Barba Azul.
Comecei a chorar de soluçar: - Quero minha mãe! A professora tentava me consolar, as crianças me encaravam com intensa curiosidade.
Passaram-se dias e era sempre uma luta para eu ir à escola. Toda vez que chegava a hora, eu me escondia no guarda-roupa gigante que havia em casa, o mesmo que eu usava para me esconder para não comer.
Até que adoeci. Fiquei apenas algumas semanas nesse tal pré, jardim da infância.
Minha irmã ficou responsável por me ensinar a ler e brincar de escolinha em casa, devido a minha relutância em não ir para escola. Com muito esforço comecei a aprender algumas coisas, minha primeira palavra foi gato. G -A-T-O .
Fui ludibriada por um ano, e no ano seguinte lá estava eu novamente na fatídica escola. Entrei com sete para oito anos na primeira série, um tanto atrasada, mas ainda com o mesmo sentimento de abandono latejante.
Por consequência disso adquiri inúmeros problemas de saúde: imunidade baixa, anemia, alergias, além de um hábito bestial que carrego até hoje, roer unhas. Afinal não era um crime para mim querer ficar em casa com minhas coisas e me socializar com os amigos que eu já tinha.
E talvez hoje eu não deseje ter filhos para não ter que vê -los passar por esse trauma.