Dia de Greve!
De repente um barulho atrapalha o sono aconchegante que me embalava, abro os olhos e olho para o teto e penso de maneira devagar sobre o barulho. Uma mistura de preguiça e raiva se manifesta nos primeiros minutos do meu dia que acaba de iniciar.
Com muito esforço pego e desligo o alarme do celular, paro e volto a olhar para o teto, fico ali ainda mais alguns minutos olhando para o teto, praticamente pensando em nada.
Olho a hora e já faço as contas dos minutos que tenho que para fazer minhas coisas até sair de casa e ir trabalhar.
Me levanto, calço meus chinelos, me dirijo até as janelas, para ver como está o clima e olhar a rua. De uns tempos para cá, o bairro tem ficado mais movimentado, mas não um movimento só de moradores, mas de bandidos a criminalidade aumentou muito na minha cidade. Onde era um bairro vazio e tranquilo, hoje continua vazio, mas as ruas estão sendo dominadas por sensação de medo, onde todas as pessoas que viram as esquinas são suspeitas, você pensa a todo minuto se vai acontecer alguma coisa ou não, você reza internamente parta nunca ocorrer algo, mesmo que você não acredite em nada.
Não havia nada além do vidro embaçado pela manhã fria e escura, ainda não havia amanhecido, o que deixava tudo ainda mais sombrio. Olhando o clima e vendo a vegetação em frente de casa, em meio a penumbra vejo uma movimentação, fico olhando para ver se é algum tipo de animal ou alguém que estava escondido em meio a escuridão, o movimento fica mais forte na vegetação, ao longe ouço o canto de um pássaro não conhecido em meio a vegetação, que ave seria, não faço a menor ideia. O canto me distrai e lembro da movimentação volto o meu olhar para o local onde tinha visto, e não há mais nada. Fico em a imagem do mato se mexendo na minha cabeça pensando merda, eu vou ter que sair daqui a pouco, o que será que era aquilo?
Volto para os meus afazeres, olho mais uma vez para o relógio e vejo que perdi minutos preciosos pensando e observando aqueles acontecimentos. Pego o canecão de fazer café e o coloco embaixo da água, e enquanto a água preenche o canecão, volto a olhar na janela, ainda curioso sobre o mundo lá fora, e quase derramo a água que encheu demais o canecão, derramo o excesso de água e coloco em cima do fogão, abro a gaveta pego o acendedor e acendo o fogão, enquanto isso pego o coador de café e o pó e deixo tudo pronto para a preparação do café e vou para o banho.
No banho olho mais uma vez pela janela do banheiro que e voltada para a área da anela da cozinha e observo um pouco mais o mato, e nada acontece, fico esperando algum barulho, ou o canto do pássaro misterioso, porque além de misterioso é um canto melancólico e bonito. E ouvir um canto melancólico de um pássaro em uma manhã fria, me deixa muito contente, gosto dessas coisas, e por fim termino meu banho por que creio eu que já estou meio atrasado.
Saio do banho e vou muito rápido me trocar e não por causa do atraso que já está me incomodando, mas sim pelo frio. Mas por mais frio que eu sinta, eu amo o clima frio, não sei dizer muito bem o porquê, mas sei que ele me faz muito bem e me deixa muito feliz, ou seja, amo dias frios. Me troquei para fugir daquele frio matinal que assolava meu corpo. E me preparo para o frio que encontrarei em alguns minutos ao lado de fora.
Depois de colocar várias camadas de blusas e calças, sim várias camadas e será que está tão frio assim, e está sim, e como sai do banho não me arrisco a pegar um resfriado, por causa do ar gelado em corpo quentinho depois de um bom banho.
Destranco a porta e grade que tecnicamente garantem a minha segurança ou a sensação de segurança, pois se forem realmente assaltarem minha casa, vão de qualquer jeito e não vão ser alguns cadeados que vai impedir isso de acontecer. Retiro a minha moto que guardo na minha sala, pois justamente algumas semanas atrás tentaram roubar ela do meu quintal, mas isso eu conto em outra ocasião.
Assim que eu saio, o que eu faço, vou até o portão de baixo e olho a vegetação novamente, para ver mais de perto se há alguma coisa opor ali, uma mistura de medo com curiosidade, pois além do perigo de ter alguém ali, era a chance de ver o pássaro misterioso, ou algum outro animal, pois poderia ser muito bem uma outra ave ou outro animal andando por ali e mexendo aquele mato, pois apesar de não ser biólogo, adoro observar animais na natureza, ainda mais quando ela está na frente da minha casa.
Volto o interior quentinho e maravilhoso da minha casa e a minha preguiça de ir trabalhar aumenta, olho novamente no relógio e o tempo urge, mais rápido do que eu esperava naquela minha que começa a ficar colorida, pois a escuridão aos poucos está diminuindo, e com o sol a caminha o céu começa a desenhar um mix de cores e formatos de nuvens que se você deixar, acaba ficando olhando por horas, aquele amanhecer multicolorido, imaginando como seria encantador ver o Goab, o deserto das cores surgindo no lugar de Perelim a floresta noturna, que uma vez li no livro a História Sem Fim. Coloco o cachecol pego o meu capacete, apago as luzes e tranco a porta e a grade, me encaminho para o portão abro e coloco a chave na moto. Tento ligar ela, e não consigo, tento novamente, mais uma, e mais outra, e nada da moto funcionar.
Já sobe o nervoso, pois olho para o relógio e o tempo está passando e eu ali enrolando, até que eu resolvo olhar dentro do tanque para ver se tem gasolina, pois me lembrei que estava meio baixo o nível do combustível, e dito e feito, a gasolina acabou muito mais rápido do que eu imaginei, fico mais nervoso ainda, fecho o tanque penso: Que merda que eu vou fazer agora?
Não me resta outra alternativa, a não ser guardar o capacete, para isso lá vai eu fazer o ritual das trancas tudo de novo, o que me deixa mais nervoso. Abro a casa e penso em nem ir trabalhar, meu que saco deu errado, mas repenso e decido, vou ir trabalhar, tenho que ir trabalhar, não posso ficar faltando, pois já tinha faltado alguns dias antes, e desta vez não podia fazer o mesmo, não tinha atestado para entregar, para forjar uma falsa doença e ficar em casa no sossego.
Tomo mais um gole de café que tinha feito, e tomado apenas um pouquinho, assim enquanto o líquido negro fumegante desce pela garganta, saciando aquela vontade daquela substância que me faz tão bem, vou pensando em uma forma de chegar ao trabalho, e decido pelo transporte público. Porque não gosto de ficar pedindo favor aos outros.
Mas dessa vez não vou com tantas camadas de agasalhos e calças, pois como vou caminhar por um trecho do caminho até o ponto de ônibus, ficaria com calor muito cedo, por mais que esteja frio lá fora.
Faço mais uma vez o ritual das trancas e saio de casa agora a caminho do ponto, que não é tão próximo o quanto eu gostaria que fosse.
No caminho que serpenteia a mata que fica em frente de casa, o ar gelado é maior, olho para o céu enquanto caminho está cada vez mais claro e as cores ficam cada vez mais lindas. Olho para a mata ao meu lado e vejo passarinhos voando e cantando, assim a vida do local está cada vez maior, e não apenas as vozes dos pássaros misteriosos e melancólicos, logo eles ficam no passado, como uma lembrança e a esperança de ouvi-los novamente em outra oportunidade.
Alguns cachorros andando pelas ruas desertas, revirando lixo e rasgando sacolas que os moradores deixam em seus portões para que o lixeiro as peguem nesse dia, que também é dia de coleta de lixo, e imagino que eles ficaram bravos por cachorros terem rasgado e espalhado todo o lixo em frente as suas casas, com certeza vão amaldiçoar os pobres cachorros que não tem culpa de fazerem aquilo, pois são apenas cachorros. Mas mesmo assim fico meio ressabiado, quando um destes se aproxima me cheirando, já me vem na mente que ele irá me atacar, a espinha gela e um arreio percorre minhas costas, sentindo um frio maior do que aquele que já sentia naturalmente naquela manhã, mas para o meu alívio ele se afastou, e respirei mais aliviado.
Continuo minha caminhada, e neste ponto do caminho as arvores não tem quase vegetação rasteira entre elas, apenas sendo um monte de caules, com galhos secos no chão, deixando uma impressão sombria sobre aquela parte da mata, a sorte que aquele é um pedaço pequeno, então não há com o que se preocupar.
As pessoas começam a aparecer, mais redondas do que de costume por causa das várias camadas de agasalhos que vestem nesta fria manhã, algumas apressadas por medo de perder o ônibus, outros andam tranquilamente, pois provavelmente saíram bem mais cedo do que entram em seus trabalhos, o que lhe permitem apreciar o caminho com calma. Coisa que também estou fazendo, mas não com tanto tempo assim quanto aquele aparentava ter.
Ando mais uns quatro quarteirões, e nas ruas o movimento de carros está bem maior do que costume, estranho aquela circunstância, mas não dou muita importância, pois penso ser por causa do frio, e enfim chego ao ponto que passa o ônibus que vai para o meu trabalho.
Ao se aproximar do ponto, vejo que tem bem mais pessoas do que normalmente vejo, quando passo por ali de moto.
Chego dou bom dia a todos ali, e fico mais no canto, para poder encostar no pilar do pontoe ali finalmente, poder colocar o fone de ouvido e ouvir algumas músicas enquanto aguardo o ônibus. Enquanto retiro da mochila o fone de ouvido, reparo que a maioria está com expressões nervosos, incomodadas, mas não falo nada e continuo em silêncio.
Então uma pessoa que estava no ponto, uma mulher, de baixa estatura, que era a pessoa que aparentava ser a mais nervosa, entre todos recebe uma ligação. O toque do celular é uma música de forró, que não faz o meu gosto, ai comecei a reparar nela.
Uma mulher de pele morena, cabelos encaracolados, maquiagem carregada, uma bolsa com tom de rosa choque, atendeu o celular e pelo modo de como falava ao celular, quase gritando, notei que tinha sotaque das pessoas que habitavam o nordeste do país. Por um momento me veio a imagem daquela região na cabeça e a vontade de visitar e experimentar aquela gastronomia que aparentava ser muito boa.
Volto a realidade quando ela quase que grita que está acontecendo uma greve geral na cidade e que todas a linhas de transporte coletivo não vão funcionar, e que para ir ao trabalho terei que arrumar outro meio. Tinha lido algo parecido na internet, no dia anterior, mas não dei muita bola, pois como ia de moto, não iria utilizar o transporte público aquele dia.
Neste momento fez sentido ter tantas pessoas ali naquele ponto, nenhum ônibus tinha passado ainda, e estava todos esperando o que também explicava as expressões nervosas, de quem foi pego de surpresa, e que iriam se atrasar para seus trabalhos ou seus compromissos, outros nem se importaram tanto, algum comentaram que achavam bom, pois falaram que só iriam avisar o chefe que não tinham como ir, e que retornariam para suas, casa agradecendo a oportunidade de ficarem em casa em um dia frio e poderem dormir o dia todo.
Eu como não tinha nenhuma opção fiquei esperando ali no ponto, para ver se realmente não iria passar nenhum ônibus, ou se haveria uma frota mínima, como normalmente fazem, pois caso realmente não tivesse retornaria para casa e saciaria a minha preguiça que àquela hora ainda gritava comigo.
Com o passar do tempo, depois de uns quarenta minutos que eu estava ali, boa parte das pessoas ou já tinha voltado para casa, ou algum conhecido tinha passado de carro e levado eles para o trabalho e compromissos. Fiquei ali com alguns que também acreditaram que haveria uma frota mínima, e que também não se importavam muito se fossem ou não para o trabalho.
Enquanto isso, fiquei sentado ali no ponto, pois neste momento tinha lugar disponível para se sentar, continuei observando o dia seguir em frente, as vezes prestava um pouco de atenção na conversa das pessoas que ali permaneciam, mas na maioria das vezes não tinham uma conversa proveitosa, apenas alando mal de outras pessoas, e isso não atrai minha tenção, preferi ficar com a música aos meus ouvidos e olhar o caminho do dia e o que acontecia diante daquele ponto de ônibus.
A esta hora o céu já está todo azul e o sol já tinha subido um bom pedaço do céu, quase chegando onde eu estava, a grama ou meu redor, ainda tinha um orvalho gelado, e na parte mais alta algumas gotinhas ainda permaneciam congeladas, esperando apenas o sol chegar nelas para caírem ao solo assim regando e nutrindo a grama ao qual ela estava presa.
Os cantos dos pássaros estavam mais altos e alegres, era realmente uma manhã linda, pois eu acho que dias frios são muito mais bonitos do que dias quentes, o verde está em um tom tão bonito que olhando nas copas das árvores que ficam ao redor em contraste com aquele céu azul cobalto, era fantástico. Alguns gatos passeavam majestosamente nas calçadas, hora espreitando alguns pardais que pousavam na calçada para pegar algumas migalhas que estavam ali, hora deitando e aproveitando a manhã que acontecia.
O sol chega em mim, aquecendo de maneira tão agradável, e deixando a natureza em um tom de dourado surpreendente, pois a luz refletia no orvalho e transmitia vida o cheiro da grama e terra molhada emocionada, pois remetia a lembrança da cidade em que cresci, tão pequena e agradável que sempre foi.
Começo a sentir um cheiro bom no ar, e reparo que é cheiro de pão quentinho da padaria, que tinha em frente ao ponto de ônibus. Aquilo ao mesmo tempo me agrada, me incomoda, com a vontade de comer um pãozinho com leite quente.
Apreciando o cheiro de comida, começo a pensar nas rotinas das pessoas que vem e vão nas suas, vidas, seus compromissos, seus ideais, seus objetivos, e pensando nisso vejo que elas sempre estão correndo, para cumprir os horários impostos pela vida moderna, e que acabam não reparando nas coisas mais simples e deliciosas da vida, como aqueles momentos que acabo de descrever, mas não culpo as pessoas, pois elas estão tão submersa tantos em seus objetivos e anseios, que estes detalhes acabam passando sem elas notarem. Mas se fossem capazes de notar, perceberiam que a vida poderia ser bem melhor, e buscar um equilíbrio de vida, as vezes não está inserido no ganhar dinheiro.
Mas eu como essas pessoas precisam ganhar dinheiro para sobreviver, mas ai eu me pergunto, elas acabam passando tanto tempo correndo atrás de dinheiro para ter uma vida melhor, que as vezes não percebem a riqueza e a delicadeza da vida que as cercam que poderiam inspirar a ter idas melhores, infelizmente as vezes morrem sem perceber como o mundo natural é maravilho e o mundo criado as vezes é mais mortal do que lindo.
Sem perceber estragamos o mundo para vivermos bem, e vemos viver a que custo, e esse custo vale a pena?
E pensando nisso, fico meio triste, e como tinha imaginado a frota mínima chegou, vou chegar atrasado, e muito, mas se não fosse essa greve talvez não teria percebido a riqueza que acabo de contar e descrever, sorte que teve greve, me sinto mais preenchido e com forças de enfrentar o mundo humano.