O Mago da Autopublicação
O cidadão de meia-idade, calva incipiente e ligeiramente barrigudo, entrou na imobiliária e ajeitou os óculos de armação preta antes de aproximar-se da atendente no balcão.
- Eu telefonei a pouco. É sobre a cobertura em Marbela.
- Ah, sim... senhor Soares, não é?
- Ademir Soares, sou eu - respondeu ele, sorrindo de modo simpático.
- O senhor gostaria de ver as fotos do empreendimento?
- Na verdade, não. Já olhei tudo pela internet, inclusive o vídeo feito no local. Bati o martelo quando vi a sala reversível: vai ser meu escritório de trabalho.
A atendente abriu o cadastro do imóvel no computador, enquanto falava com o interessado.
- Sim, a sala reversível pode ser configurada para diversos usos e temos uma firma de arquitetura que faz trabalhos para nós. Podemos lhe indicar, caso tenha interesse...
- Seria útil. Embora, na verdade, eu já tenha algumas ideias sobre decoração... escrevi vários livros abordando o assunto.
A atendente ergueu os olhos da tela do computador.
- Então o senhor é arquiteto?
- Não na verdade - respondeu ele. - Um dos meus personagens é... Nigel Collins, da série "Arquitetura do Crime".
A atendente puxou pela memória, mas os nomes citados não lhe provocaram nenhuma recordação.
- Desculpe... não sou muito de ler.
- Não precisa se desculpar - Soares sorriu. - Mesmo quem costuma comprar livros todos os meses nem sempre conhece meu nome ou das minhas obras.
A atendente começou a considerar-se menos culpada por seu baixo apego às letras. E também a preocupar-se com a capacidade financeira do proponente; afinal, devia ser um escritor de fim de semana, talvez até mesmo um aposentado que se dedicava a escrever histórias de crimes como hobby.
- Quanto ao pagamento do imóvel, nós trabalhamos com carta de crédito - anunciou preventivamente.
Soares a olhou por cima dos óculos e disse, em voz baixa:
- Eu vou pagar à vista.
A atendente arregalou os olhos.
- O senhor quer dizer... em dinheiro?
Soares puxou a carteira do bolso traseiro das calças.
- Quase isso... vou passar o cartão no débito.
E perante o olhar mesmerizado da atendente, acrescentou:
- Não se preocupe que o saque já foi aprovado pelo banco.
- [04-08-2018]