Amizade na diversidade

Um carro preto, da marca BMW, pára em frente ao portão do hospital. O motorista pôe a cabeça para fora e conversa algo com o guarda. O portão se abre e o carro segue para o estacionamento. O lugar era aberto e havia alguns trabalhadores fazendo a limpeza. Uns capinavam, varriam, rastelavam e outros ainda cortavam a grama com uma máquina barulhenta. Estacionou o carro próximo a um dos que estavam cortando a grama, desceu. O homem trajava um terno preto, carregava uma pasta. Ao fechar a porta do carro, eis que sente uns respingos vindo de algo que o cortador de grama havia passado com a máquina em cima; assim como no parabrisa do carro. Olhou enfurecido para o homem que trajava óculos protetores, botas sete-léguas e um macacão laranja, berrou:

— Seu preto desgraçado, filho de uma rapariga.

O homem sem se dar conta do acontecido, ouviu os xingamentos, desligou a máquina, aproximou-se tirando os óculos deixando à mostra seu rosto suado:

— Aconteceu alguma coisa...? — antes de terminar percebeu o incidente.

— Peço mil desculpas senhor pelo mal que lhe causei, foi sem intenção — falou lentamente encarando o homem de terno preto.

— Seu desgraçado, acabei de vir do lava-jato e olha o que você fez, além do mais ainda sujou meu terno que custou uma grana.

O homem de macacão laranja continuou pedindo desculpa sem alterar a voz e com a mesma mansidão:

— Se por ventura lhe causei algum dano material, posso pa...

— Você vai o quê...pagar? Com o salário que recebe não dar nem para pagar as meias que uso, seu preto fudido. Tomarei as providências para que você seja demitido.

O homem de terno preto saiu enfurecido, enquanto o outro baixou a cabeça e retomou o seu trabalho. Entrou no hospital e indagou uma funcionária:

— Onde fica a sala do diretor, tenho um horário marcado com ele daqui a 30 minutos.

— A última sala a direita no final deste corredor, apontou.

— Obrigado, senhora.

Caminhou até o fim do corredor, deu três toques na porta; a secretária abriu. Abrindo um sorriso:

— Boa tarde. Pois não?!

— Tenho um horário marcado com o diretor.

— Que horas?

— Daqui a trinta minutos.

— Certo, o diretor no momento está no jardim cor... — O telefone tocou e ela foi atender. Ele ficou prestando atenção na moça, que era linda e charmosa. Apenas a ouviu dizer antes de desligar o telefone: ” Sim, ele já chegou...”. Desligou o telefone e voltou ao homem.

— O diretor está vindo conversar com o senhor.

— Ok, senhorita. Deu um sorriso de canto da boca a olhando de cima a baixo.

Vinte minutos depois entra o mesmo homem que a pouco discutira no jardim. Contorce-se na cadeira, pensou em dizer algo, mas conteve-se. Em vez de macacão laranja, trajava uma camisa polo, calça jeans e um par de tênis simples. Entrou, deu boa-tarde e cumprimentou a todos que estavam na sala. Estava com a mesma serenidade que na hora da discussão. Pensou consigo o homem de terno preto: “deve bem ter vindo falar com o diretor sobre o incidente, adiantando-se assim para salvar seu mísero emprego”. O outro falou algo baixinho com a secretária e entrou na sala do diretor. Dois minutos depois, a secretária pediu a uma senhora, que tinha chegado primeiro, que entrasse. Quando faltava um minuto para chegar na hora marcada, impacientou-se, disse baixinho: “Que droga, só me faltava essa, o diretor chegar atrasado”. As 16 horas e 30 minutos, exatamente na hora marcada, sai a senhora e a secretária pede que ele entre.

— O senhor pode entrar, o diretor o espera. Não entendeu, pois não vira o mesmo entrar. Entrou na sala. Sentado na cadeira do diretor, eis que estava o homem que a pouco xingara no jardim.

— Queira sentar-se, por favor.

Não conseguia falar, as pernas tremiam. Sentou-se. A entrevista começou, depois de uns minutos e já nas considerações finais, concluia o diretor:

— Por tudo conversado aqui, a vaga da administração é sua.

A essa altura, o homem já bem mais desinibido, mas ainda com vergonha, pergunta:

— Não entendo, como depois do incidente entre nós, o senhor tem coragem de me contratar?

— Não conheço o senhor, não posso julgá-lo a partir de um momento. As vezes, também xingo, imagine o senhor que nunca me viu, e na primeira vez que me visse, fosse justamente nesses momentos, certamente diria: “nossa, que homem grosso!”. Mas não sou assim, apenas em certos momentos e diante de certas cirscunstâncias. Dizem que a primeira impressão é a que fica, pode ser verdade, mas prefiro desconfiar dela. Já analisei o seu currículo, assim como já recebi excelentes referências sobre o senhor. O cargo é seu, a menos que não queira.

Os anos se foram, e não só se tornaram patrão e empregado, mas bons amigos.