Refúgios ao ar livre libertam-nos

Sol brilha forte no céu de fim de tarde, refletindo forte sua luz sobre o mar a envolver a praia e sobre as palmeiras a balançarem ao ritmo do vento e pelo mar sendo banhadas. Sem pressa alguma, Sara repousa sobre a areia pálida, fitando o oceano como se em busca de algo outrora perdido – um tesouro, talvez. Brisa salgada sopra o rosto, mas a moça permanece impassível ante ao frescor, foca-se apenas no brilho hipnotizante das águas claras que trazem-lhe não somente conforto, mas também lembranças dos bons e maus tempos.

Como se tirada de um transe, levanta-se subitamente e pintada pelas cores do pôr do sol, volta para casa a passos lentos. Andava devagar, queria estender ao máximo seu pequeno tempo de liberdade e por isso se demorava em cada movimento. Pássaro voava sobre sua cabeça, ela parava e admirava; mulher sambava à beira-mar, ela parava e admirava; crianças divertiam-se na sujeira, ela parava e admirava. Há uma beleza em tudo que merece ser apreciada, mesmo nos prédios moldados por infértil concreto e aço: por mais secas e vazias que os colossos urbanos parecessem, os prédios considerados feios e inapropriados forneceram trabalho e sustento a dezenas de famílias, fizeram parte de uma história e ajudaram pessoas reais a prosperarem. Enfim o encanto se quebra e antes de sequer perceber, ela logo se vê diante de sua casa. Liberdade breve então se finda.

Entrou em casa com a cabeça baixa, já um tanto oprimida, cumprimentou a mãe, tentou divertir-se no balanço e comeu um pouco, até enfim ir para seu quarto… O único refúgio que ainda lhe restava, onde ainda tinha espaço para simplesmente flutuar em uma liberdade contida no limite de quatro paredes. Elis Regina canta solta pelo quarto e reverbera em cada canto, enquanto uma angústia inexplicável pesa no peito de Sara e a esmaga. Como são engraçadas as coisas: a tristeza é um parasita mordaz que se apossa da alma, alimenta-se em silêncio sem se fazer perceber e ataca silenciosamente, faz-nos sangrar nos momentos mais aleatórios, mas jamais mata, apenas faz sofrer. Sara se levanta e abre a janela, enquanto as canções de Elis escapam do quarto e as pessoas na rua seguem sua rotina sem se sensibilizarem com a boa música da menina.

Sara varria com os olhos os rostos impassíveis que passavam, buscava encontrar alguém que a entendesse, que pudesse ver através da máscara de garota perfeita e enfim chegar até seu espírito sensível. Olhou, olhou, olhou, mas não foi olhada, tampouco admirada. Como tantas vezes já acontecera, foi negligenciada e mesmo depois de ter tantas vezes tentado sem sucesso encontrar algo ou alguém, continuou imóvel na janela ainda com esperança vívida de encontrar ou de ser encontrada. Por fim, quando já era noite, não mais vestida de luz do Sol e sim de brilho alvo, finalmente desistiu apenas para tentar mais tarde e foi se deitar para, talvez, nos sonhos adquirir plena felicidade.

Ao acordar, abriu os olhos devagar, quase como se não quisesse despertar para mais um dia. Num automatismo de dar inveja numa máquina, Sara preparou seu café forte e doce e saiu um pouco para aquecer corpo e alma na luz branda do sol da manhã. Fechou os olhos, sentou-se no chão e com o café em mãos, apenas dedicou-se àquele momento; sentia o calor manso abraçar sua pele e naquele instante não precisou de nada além de um banho de Sol que fosse quente como um carinho. Infelizmente, logo ouviu o grito da mãe e, voltando à realidade fria, foi ver o que estava acontecendo. O resto do dia seguiu na monotonia invencível da rotina, cada atividade era realizada de forma mecânica que bem denunciava um estado de torpor não infligido que tomou conta de seu corpo… Muito machucou-se pelos outros e mesmo depois disso continua a ansiar e esperar. Decepciona-se, mas é grandiosa demais para desistir das pessoas, sua sequela tornou-se a melancolia que vez ou outra assombra-lhe os pensamentos.

Enfim, quando saiu na janela mais uma vez, viu tons alaranjados outra vez agraciarem os céus e cansada de reprimir-se, decidiu outra vez ver o pôr do sol. Andou com alegria, estava desobedecendo sua mãe e arriscando ter que sacrificar ainda mais sua liberdade em prol dos caprichos de outrem, mas já estava farta de se limitar e se moldar para encaixar em expectativas e desejos que não seus. Sara recostou-se leve em uma palmeira e tendo os pés beijados pela água do mar em marés alteradas, assistiu novamente sol, mar e palmeiras beijarem-se em harmonia única. Lágrima salgada escorria pelo rosto, enquanto sorriso fino também se formava: chorava, mas se chorava não era por tristeza e sim por felicidade.