Cascas de Semente
Era um sábado quando vi nuvens de tempestade se aproximando. Ventos fortes atingiam a cidade em um fim de tarde, e a escuridão que se aproximava estragou o lindo pôr do sol que estava prestes a acontecer. Pássaros cantavam enquanto voltavam para as suas casas em busca de proteção.
A chuva é boa para diversas pessoas, mas ruim para muitas outras. Infelizmente, não tinha como pensar nessas outras pessoas quando a chuva estava vindo, afinal não tinha nenhuma delas por perto para me lembrar disso. Ao contrário de boa parte da cidade, estava abrigado quando trovões soavam e raios eram vistos no meio dos relâmpagos. Mesmo assim, eu ainda podia pensar em algo. Antes dos trovões, quando a tempestade ainda estava para chegar, era possível ver uma árvore pela janela da qual eu estava perto. Ela estava carregada de grandes cascas de sementes, a maioria seca, com tons amarronzados, duras e velhas. O vento forte venceu quase todas, exceto duas. Elas não pareciam mais jovens do que as outras, eram simplesmente normais. Estavam no mesmo galho, mas eu não conseguia crer que só sobraram elas. Procurei por um longo tempo, examinando cada parte da árvore, mas não tinha nada além delas.
Agora, já de volta com os raios e relâmpagos, fiquei me perguntando sobre o porquê de duas, e somente essas duas, tentarem resistir a uma tempestade mortífera. Elas podiam estar com medo de se soltarem e do que viria depois disso. Esse medo pode ter paralisado elas, impedindo que se juntassem as outras que já estavam no chão. Talvez também quisessem ver mais uma vez a paisagem lá de cima antes de serem jogadas para todos os lados pelo vento forte. Porém, há uma outra explicação que particularmente me encanta: as duas cascas de semente, mesmo já estando velhas e terem visto muito isso, queriam apreciar o seu último pôr do sol que ocorreria no dia seguinte já que este lhes fora surrupiado. Pode ser que, em sua morte, elas só queriam ver o sol sumindo devagar mais uma última vez enquanto uma brisa suave, e não um vento violento, as retirava calmamente de seu galho.
Essa última hipótese me cativou tanto que de cinco em cinco minutos olhava pela janela para verificar se elas continuavam lá. Não queria fazer isso, lutava contra essa vontade de ficar observando elas para poder me concentrar em outros afazeres, mas simplesmente não conseguia. Percebi, então, que eu estava torcendo pelas lindas cascas de semente. Queria que elas sobrevivessem para que pudessem ver o seu pôr do sol.
Peguei no sono antes da tempestade terminar e a primeira coisa que fiz quando acordei foi olhar pela janela. Lá estavam elas, as duas grandes sobreviventes. Esperei até o sol começar a dar tchau e me sentei embaixo da árvore para comemorar essa vitória com as cascas de semente. Depois disso, não quis mais olhar pela janela, pois não queria ver a morte das minhas duas heroínas.