Catador Monetário
O assunto com o sujeito na rodoviária foi tão diferente que não me lembro se perguntei o nome dele.
Tudo começou assim...
- Fósforo amigo?
- Desculpa, não tenho.
- Parou de fumar?
- Há quase uma década.
- Isso é bom. E quer saber. Vou parar agora de fumar.
Pensei que ele iria rasgar o cigarro, tipo, sabe aqueles lances onde o cara para de fumar rasgando maço de cigarros, enfim, nada disso, ele colocou no bolço. E continuo lá. Olhando pro chão em várias direções.
Rodoviária a gente encontra de tudo um pouco. E eu que estava em uma, aliás, em uma rodoviária de uma metrópole de mais de 5 milhões de habitantes . Bom pelo menos era o que dizia uma placa. “5milhões, 870 mil habitantes”.
- Já chegou a imaginar o que se pode encontrar em uma metrópole assim?
Respondi:
- Muitos carros, edifícios enormes, lojas, pessoas...
- Dinheiro.
- Verdade. Deve ter bons empregos.
- Acredito que sim. Mas nada que compare ao meu.
Pensei: “Tô em uma rodoviária, 5 horas da manhã. Conversando com um estranho. Querendo tirar um cochilinho. Mas se ele for um ladrão”?
(“Na minha mente o vi com um revolver, com roupas estilo irmãos metralhas, o cigarrão na boca e dizendo que eu tinha perdido”.)
De volta ao mundo real. Lá estava ele. Graças a Deus sem armas.
- Amigo, estamos aqui, eu esperando o ônibus que vai chegar ali naquela plataforma daqui a 30 minutos e assim volto para o interior. O amigo trabalha no que?
- Por que a pergunta?(Perguntou ele a mim com voz de filme de suspense). Você é um sequestrador?
Na minha mente me vi cercado por policiais, helicópteros da policia, emissoras de TVs. Ele apontando pra mim e gritando que era eu que o havia sequestrado. Eu sendo algemado. Os repórteres perguntando “por que eu sequestrei aquele trabalhador”.
Em minha mente, imaginei a minha pequena cidade, todo mundo dizendo olha quem está na TV. E finalmente, minha mulher dizendo o quanto desgracei a vida dela e dos nossos filhos por tamanha vergonha nacional.
- Te peguei!! Tô brincando!!
De volta ao mundo sem TVs, sem policiais me prendendo e sem minha mulher me chamando de sem vergonha por ter deixado ela e as crianças envergonhados. Lá estávamos na rodoviária.
- Catador Monetário.
- O que?
- C.A.T.A.D.O.R M.O.N.E.T.Á.R.I.O !
- Catador monetário?
- Sim! Sou um catador monetário.
Minha mente fluiu rápida. Então me vi junto com ele em um banco. Todos deitados. E a gente usando máscara do pica-pau. Ouvindo as pessoas murmurarem “pica-paus roubando bancos”.
De volta ao meu mundo seguro. Lá estava ele fumando o cigarro.
- Eu sei. Você tem razão.
Sem entender, disse:
- Eu? Razão? Do quê?
- Deu ter voltado a fumar. Eu sei. Não devia. Pode dizer que sou um fraco. Vai diz. Que sou um cara sem palavras. Diz ai...
10 minutos e já íamos começar um conflito.
“saque a arma cowboy”.
Fui ao velho oeste duelar com ele.
De volta ao absurdo mundo.
- Olha aqui. Eu não tô nem ai se você fuma ou não.
- Quer que eu tenha câncer néh.
Antes de partir pra uma discussão estilo futebolístico...
“chutou pra fora. Esse Filho de... chutou pra fora”.
Deu pra entender, o que se passava na minha mente. Eu estava vendo uma partida de futebol e ele, o cara ali do meu lado na rodoviária, errando um pênalti. E pior, jogando no meu time e de camisa 10.
Retornando minha mente ao pior lugar do mundo que era aquela rodoviária...
- Olha aqui seu...
Antes que concluísse o que eu ia dizer, ele disse:
- Ano passado faturei 750 mil reais. Mais de 60 mil por mês.
- Como assim?
- Tua é franga pô???
- Franga? Que merda de gíria é essa?
- Sei lá . Veio na cabeça essa frase. Eu sou catador monetário. Cato moedas, notas de dinheiro que pessoas como você perdem todos os dias nas ruas e por todas as partes.
- Era loucura de mais pra eu ouvir.
“Eu não sou louco. Eu não sou louco.”
Minha mente cansada me levou a um sanatório, daqueles do tipo que havia há 100 anos e amarrado com camisa de força.
De volta e curioso.
- Rapaz, conheço catadores de muitas coisas, mas , de dinheiro que as pessoas perdem , só conheci você.
- E espero que continue! Só eu!
Ele me falou de como trabalhar 16 horas por dia, indo nos principais locais onde as pessoas perdem muitas moedas e notas , como praças , parques , locais de grande aglomeração de pessoas como passeatas , velório...
- O que? Velório?
Lá foi minha mente.
“Eu estava sendo velado. Mas de olhos abertos e em minha pacata cidade. E ele lá, levantando pé por pé das pessoas pra vê se achava algumas moedas ou notas de dinheiro. E quando achava, dizia me olhando nos olhos arregalados: Catador Monetário. Catador Monetário.”
Tive um ataque de riso, ao retornar minha sanidade a aquela rodoviária cômica.
- Desculpa amigo. Não pense que estou rindo de você. É que tenho uma mente muito fértil em rodoviárias.
- Teu ônibus.
- O que?
- Ônibus. Encostou.
- Puxa vida! Realmente.
Despedi-me daquele sujeito. E da janela, percebi que ele continuava lá no mesmo banco da rodoviária. Trajando boa roupa, é bom que se diga, e iniciando uma conversa com outra pessoa que ali se sentou ao lado dele.
O ônibus foi saindo. Fui me afastando. Até ele sumir do meu campo de visão. Durante a viajem fiquei pensando...
“E se eu investir nisso? Ser um Catador Monetário!”
Minha mente me levou a uma praia tropical! Dentro de um iate luxuoso, cheia de boas comidas e bebidas. Minha esposa dizendo amor pra cá, amor pra lá! As crianças felizes! E todos nós aproveitando o mar! O sol! O calor!
Foi então, que do leme, me aparece ele, o cara da rodoviária, sem camisa, de chapéu mexicano, fumando um “charutão” cubano e me dizendo sorrindo:
- Se deu bem em sócio!
Acordei assustado.
- Acalme-se moço.
Disse-me um rapaz sentado ao meu lado no ônibus.
Continuou..
- Foi provavelmente uns buraquinhos no asfalto que deu umas sacudidelas no ônibus. Só isso.
Fim .