Ziguezagueando 41
Depois de minutos chorando no diminutivo, Hugo se levantou. Jovita pedia calma, disse que estava tudo certo, a vida estava se cumprindo nela, lembrou-o soletrando mais uma vez a tradução da música, Carmina Burana:
A roda da Fortuna gira;
eu desço, diminuída;
outro é levado ao alto;
lá no topo
senta-se o rei no ápice ?
que ele tema a ruína!
pois sob o eixo lemos
o nome da rainha Hécuba.
Respirava doravante com dificuldade, aflita no movimentar do busto, pelo pouco sanfonar dos pulmões. A voz, aparecia suave, ditada pela alma que expressava sem a sombra da dúvida.
Jovita estava em outro estado, outrossim, ainda presente naquele corpo físico preste a falir. Seus olhos passaram irradiar um brilho diamantino. Balbuciou:
___Eu Sou, Hugo, me vejo saindo da plateia, passarei abandonar o invólucro do corpo daqui alguns instantes. Queria que me visse, sentisse o que me passou dominar, a grandeza é inenarrável. A compreensão não poderia vir antes, amado, porque, senão, teria desistido de orbitá-lo. Vejo com outros olhos, entendo numa outra mente, percebo Eu além d`eu na visão tridimensional . Não imagina quão acetinada é a forma física do corpo, aquele tecido denso e frágil que encobre o invólucro maior, que é pura energia direcionada, vibra e dá vida ao primeiro, estou quase sendo fundida ao terceiro, ser sem forma, cheio de significação, que me tornou Una com os dois primeiros.
Quão completa Sou! precisei estar neste corpo, que inicia a decomposição, para cruzar contigo, para poder encontrar química para permitir ser aderida, compelida ao processo de integração interior, ar puro para o começo do retorno. Não passaria de uma pobre, mendiga de mim mesma, se não tivesse cruzado com seu resplendor todo penetrante, que me levou estar em gravitação novamente. Olhe, Hugo! Me vejo inteira neste instante!
Jovita pediu que Hugo trouxesse as alianças, aquelas que rejeitou pouco tempo atrás. Antes, não queria a posição de centro, único pólo gravitacional do amado.
Naquele instante, Hugo não hesitou em aproximar de Jovita com o par das alianças, era tão íntima delas, que as guardava na carteira.
Tirou-as de lá. Com elas as mãos, Jovita pediu que colocasse no dedo dela, o que foi feito. Em seguida, olhou com profunda admiração no marido, que entendeu o pedido silencioso, colocando a outra no próprio dedo.
Jovita pegou nas mãos do marido, dizendo as palavras finais:
___ Je t`attends!! Esboçou engasgos, indicando serem espasmos ditando o fim.
Depois, repetiu o termo traduzindo-o no português:
Te espero, Hugo, caso seja este seu consentimento, e a vontade minha na eternidade, sem cobranças, mas tendo uma segunda chance, te amarei mais inteira, você é Uno, eu também. Eu Sou.
Virou o rosto para o lado oposto do companheiro, indo a óbito.