1991
Já não tenho mais medo dos moleques da escola, da rua: um dia a gente bate, noutro apanha, já na covardia corre; porém, dá surras em alguém é mais raro mesmo! Em casa, Chaves, Chapolim, almoço. "Rodrigo, diz minha mãe, seu pai quer falar com você".Como todos os dias atendo a chamada, dou-lhe explicações sobre a manhã no colégio, sobre notas, "quando eu chegar do trabalho, a gente continua, beijo".
Olho meu material de escola, minhas provas, "este ano não me salvo (penso), vou ficar reprovado". Então eu ligo na Transamérica, Rádio Cidade e toca o "Teatro dos Vampiros", do Renato Russo. Meu irmão vem em casa tomar o seu achocolatado, minha irmã escreve em seu "diário" e me diz que é hora do sereado vespertino e televisivo "Barrados no Baile". Tudo bem, ela é a prodígio da casa, merece.
Meu pai chega e não fala conosco antes de um beijo em sua lisa barba, está feliz: transplantou o rim há pouco e não precisa mais dialisar. Minha irmã tira o seus sapatos e meias e, dá-lhe um dos seus remédios, quando finalmente o caçula chega da rua.
Enquanto minha mãe prepara a janta, ele me ajuda em matemática com suas ameaças: se ficar reprovado, não terá presente de natal! O Jornal Nacional começa, a janta é posta e todos se aquietam - o patriarca quer ouvir a televisão. Hiperinflação, Governo Collor em crise com inúmeros escândalos de corrupção, aquela grana da poupança retida ano passado começa a ser paga super desvalorizada. "É, não é dessa vez que compro uma casa", pensa alto o meu velho.
Aí, começa o "Dono do Mundo", e a família se reúne para assistir o Fagundes, de bigode, tramar mais algumas das suas. Vou para o quarto escutar o meu rádio de pilhas, onde toca uma nova banda de Seatle (o Nirvana), Guns'n Roses, ou o "Vento no Litoral" do Legião.
"Hora do banho e 'cama'", como diz meu pai. Amanhã, tem aula de ciências no primeiro tempo e não posso perder. Acho que a professora vai me colocar na recuperação. Caralho, fodeu! História, geografia, matemática e educação física são minhas grandes preocupações. Sim, eu só tenho 12 anos e se os meus pais souberem, o que será de mim?