Horas de agonia
Tinha medo de voar. O homem não foi feito para voar, pensava. Se fosse, tinha nascido com asas. As pessoas acham estranho quando cai um avião. Ele achava estranho era não cair. Um troço daquele tamanho, pesadíssimo, ficar no ar. Voar como um pássaro sem o ser. Mas ele sabia que aquele cairia, tinha certeza. Não que houvesse sonhado, ou alguém o pressentisse e tivesse tentado impedi-lo de embarcar. Todos estavam até muito felizes; ele, inclusive. Estava indo receber um prêmio. Seu livro, “horas de agonia”, tinha ganhado um importante laurel, o que lhe faltava para a consagração definitiva.
Um estalo. Não, não era no avião, fora na sua cabeça. Eis o mau presságio; descobriu, enfim. O título do livro, “horas de agonia”, meu Deus, como não pensara nisso. A profecia daquele título estava prestes a se cumprir. Ainda havia tempo de desistir, as portas ainda não tinham se fechado. Mas o que ele diria, que ficara apavorado? Que sentira que o avião cairia? Que sabia disso, porque o título sombrio do seu livro o avisara? Seria chamado de louco. Seu livro nem falava de desastre ou coisa do tipo. Era uma metáfora do mundo corporativo. As horas de agonia para quem tem que lidar com problemas do mercado financeiro em tempos de crise econômica.
Precisava sair dali, o avião cairia. Mas, se o avião não caísse?! Seria tachado eternamente de medroso. Não, não faria aquele papel. Morreria e não o faria jamais.
As pessoas iam entrando e ele sentia que seu tempo estava chegando ao fim. O avião é o meio de transporte mais seguro que existe, dizem. Mas quando acontece um acidente ninguém escapa, isso era seu subconsciente quem dizia.
Horas de agonia se transformavam gradativamente em minutos de desespero. Corria um suor frio por seu corpo, sua camisa já estava ficando encharcada. A alegria dos outros passageiros, os sorrisos estridentes, as vozes ruidosas, tudo parecia um sinal. O avião vai cair, vocês não veem? Por que tanta alegria a alguns instantes do fim? Ele pensou em gritar que o avião cairia, ele sabia disso, o título do seu livro prenunciava, eles passariam horas de agonia; minutos, talvez, mas o desastre era certo.
Absurdo, aquele pensamento era absurdo, nada ia acontecer. Estava tudo certo. Aquele vislumbre de otimismo acabou quando o último passageiro entrou. Um jovem com estilo de roqueiro, que estampava na camisa negra a premonitória frase the end, era o que faltava para desencadear sua reação mais desesperada.
Ele se levantou e gritou que precisava descer. Havia esquecido de algo e tinha que ir buscar. A comissária tentou explicar que já iam decolar e que ele não podia mais sair. O escritor disse que faria um escândalo e foi com essa ameaça que ele conseguiu, enfim, desembarcar.
Da sala de embarque do aeroporto, ele viu o avião decolar; lembrou naquela hora que havia esquecido sua mala; suspirou, resignado. Uma parte dele estava feliz por não está no avião, que cairia; e outra, mínima, torcendo para que o avião realmente caísse. O orgulho tentava sobrepujar o que havia de mais humano nele, a solidariedade e o amor ao próximo.