Ziguezagueando 38
Os anos foram passando. Jovita, setenta e cinco, Hugo aos noventa, acima da expectativa de vida dos brasileiros, idosos que suplantavam os próprios limites, indo para a hora extra da melhor forma. Gozavam de boa saúde, e, finalmente, passaram coabitam um mesmo teto. O de Jovita.
Foi natural o agregar dos dois permanentemente numa mesma casa, Hugo foi ficando, ficando nas idas ao litoral, até que um dia, disse a Jovita.
___Vim para não voltar, vendi o apartamento, as mobílias doei para a instituição de caridade, trouxe tudo de que necessito nesta mala. Os livros virão até o final da semana.
Jovita lia, quando Hugo terminou de falar, olhou o companheiro por cima dos óculos, depois de alguns segundos em silêncio, passou sorrir, até não suportar a entonação do riso, tossindo com o engasgo da própria saliva. Foi riso de felicidade, seus olhos lacrimejavam de emoção, contentamento pela escolha do amado por ficar junto dela definitivamente. Levantou, ficou numa posição como fosse dançar, pediu a mão de Hugo para fazer par com ela, circularam o ambiente atendendo o ritmo de uma música silenciosa, davam as passadas numa sincronia perfeita, como fosse entendida a melodia pelos dois, que era percebido na expressão dos corpos, que indicavam estar embalando-se num compasso ternário, parecida com valsa.
Foram meses vividos como dos recém casados. Hugo auxiliava Jovita nos afazeres rotineiros, lavava pratos, outras, varria a casa, ia ao supermercado com ela, assumiu os gastos da casa, conta de água, luz, convênio médico, somente as parcelas do carro era de responsabilidade de Jovita. Foi o suficiente para Jovita guardar algum dinheiro, realizariam a viagem dos sonhos.
Sempre comentavam que queriam conhecer Dubai, hospedarem-se em hotéis de requinte, viver o extremo do ter. Pelos olhos, sentir o poder do ouro, os extremos da apropriação do homem pela vontade materialista, comentavam quererem experimentar as dimensões do ego na busca da satisfação do desejo do ter.
Foi difícil atender as exigências para ida de avião, vistos e coisa e tal, eram idosos, o critério era mais acirrado. Ao final, saíram numa quinta feira, mês de abril, foi estratégico, neste período o clima era em média 33 graus C, propício para poderem circularem nos lugares turísticos, sem o desconforto de estarem expostos ao clima mais quente.
Ficaram dez dias viajando, retornaram para casa felicíssimos por terem vivido o sonho, Jovita, encantada por conhecer cores, gostos, tendências que eram inimagináveis para ela como sendo de necessidade de um ser humano, conheceu joias, pedras preciosas das mais variadas quantias, bens e riquezas diversificadas em valores altíssimos, somente para atenderem egos gigantes, famintos para o ter.
Hugo fez um passeio silencioso, comentou com Jovita no retorno, estar convencido em definitivo que o modelo para o desejo da alma humana é único para todos na Terra, dizia:
___A mente é uma só, Jovita! Não existe exceções, crianças e seus brinquedinhos!
Dias depois da volta da viagem a Dubai, Jovita passou apresentar algumas dores na coluna cervical, sem levá-la a ideia da necessidade da procura de um médico, dor que logo passou.
Certa manhã, depois do desjejum, foi repentina e mais intensa a dor nas costas, não conseguiu levantar da cadeira, Hugo chamou a ambulância pelo telefone. Jovita foi levada ao Hospital.
Depois de uma série de exames, veio o diagnóstico, estava com câncer nos pulmões , em estado avançado.
Passou ficar numa alternância, entre vida de Hospital e em casa. Merlinda retornou do exterior.
A filha mais velhas é a que tinha mais disponibilidade para estar junto a mãe na doença. Resolveu não querer filhos, por opção dela e do marido, eram padrinhos de crianças carentes de um orfanato da cidade onde moravam nos Estados Unido, entenderam estarem quites com o mundo, com a natureza e a sociedade. Bastavam-se tornando pais de filhos que necessitavam deste amparo afetivo. Mesmo no Brasil, mantinha contato por skipe e Watzapp, até pelo Facebook, com os afilhados daquela instituição diariamente, mas ficaria com a mãe no Brasil naqueles momentos difíceis.