Ziguezagueando 36

Jovita colocou sobre a mesa a caixinha que estavam as alianças, cobrindo o rosto do companheiro de beijos,, nestas alturas, molhados das lágrimas, que caiam torrencialmente.

Depois que apaziguou Hugo com suas pequeninas mãos, que deixavam serem guiadas, aflitas por acalentar. Abraçou o companheiro, apertava-o em meio aos seu pequeninos braços.

Após, levantou de inopino. Foi até a pia, pegou a pequena bacia com os bolinhos, estavam frios, pelo tempo que havia estado com Hugo a mesa na conversa. Voltou com a garrafa de café que havia coado, e a quitute.

Assim que colocou sobre a mesa, foi logo servindo o café ao companheiro. Depois que deixou a xícara quase pela metade, ofereceu-a delicadamente a ele.

Foi a vez de Jovita. Passou falar:

___Hugo, pode ter certeza que você assumiu lugar junto ao vento, onde for, seja onde estiver, sabe que tem para onde voltar. Meu tempo, a vida que habita em mim, e no meu entorno, estou disposta partilhar contigo.

Desde o primeiro encontro, pelo simples fato de você existir, tirou de mim o limite, a separatividade que me acompanhava, indicando o que era eu e o mundo, nele, eu não permitia que fosse acrescida, tudo, até então, era medido, cronometrado, emoções, projeções, expectativas, somente depois de passados sob o crivo do meu pensar.

Você provocou uma catarze em mim, de modo que passei conhecer a mulher que sempre atuei, doravante, adornada com flores, luzes, jardins. Depois de ti, não seria somente gente, reluzo uma grandeza sem forma em meu interior. Me Ignorava como natureza em evolução, era exata, por falta daquele a mais, que vem de ti, que me tornou humana.

Sem contar que me permitiu ter um par de filhos com sua genética, eterniza você e eu neles, farão o novo, que não será nem eu, nem tu.

Esta revelação que acaba de exteriorizar, que vejo ser das profundezas do ser que porta, indica poder estar num estado ideal, que não combina com esta vida que me permitiu ascender.

Está como poeira assentada em terra seca, tudo arrumadinho num centro inerte, cujo epicentro sou eu. E caso eu falte? como tudo é transitório, vibra, também sou corredeira... terá risco de ruir. Agua parada não é potável, bebível. Entende?

Foi sincero no amor revelado, tem pureza de intenção, me pedindo em casamento, mesmo nesta idade longeva de nós dois. Contigo não falo para me manter no orgulho, ou na necessidade de perpetuar na defesa do estar sozinha em último grau, mas quero me ver no excesso em você.

Mesmo não abrindo guarda para dependência de seu calor, de sua energia, da sua masculinidade embriagante, me manterei aqui, numa espera sem condições para que volte. Mas queria te ver excedido.

Não queira me fazer de Imperatriz do Mundo, e muito menos eixo para a roda do seu mundo girar, não queria ocupar, jamais, o lugar de Hécuba. Eu Sou, quero que sejas também. Sê!

Saiu apressadamente, voltou com uma folha de caderno as mãos. Se pôs diante de Hugo, passou ler a tradução da música de Carl Orff “ Carmina Burana”- Fortuna, Imperatriz do Mundo. Sua voz passou soar sentida, chorosa.

Ó fortuna

És como a Lua

Mutável,

Sempre aumentas

Ou diminuis;

A detestável vida

Ora oprime

E ora cura

Para brincar com a mente;

Miséria,

Poder,

Ela os funde como gelo.

Sorte imensa

E vazia,

Tu, roda volúvel

És má,

Vã é a felicidade

Sempre dissolúvel,

Nebulosa

E velada

Também a mim contagias;

Agora por brincadeira

O dorso nu

Entrego à tua perversidade.

A sorte na saúde

E virtude

Agora me é contrária.

E tira

Mantendo sempre escravizado

Nesta hora

Sem demora

Tange a corda vibrante;

Porque a sorte

Abate o forte,

Chorai todos comigo!

Eu lastimo pelas feridas da Fortuna

Choro as feridas infligidas pela Fortuna

com olhos lacrimejantes,

pois seu tributo de mim

cobra agressivamente;

Na verdade, está escrito

que a cabeça coberta de cabelos

a maior parte das vezes

revela-se, quando a ocasião se apresenta calva.

No trono da Fortuna

eu sentara, elevado,

coroado com as flores

multicoloridas da prosperidade;

apesar de ter florescido

feliz e abençoado,

agora do alto eu caio

privado de glória.

A roda da Fortuna gira;

eu desço, diminuído;

outro é levado ao alto;

lá no topo

senta-se o rei no ápice ?

que ele tema a ruína!

pois sob o eixo lemos

o nome da rainha Hécuba.

Márcia Maria Anaga
Enviado por Márcia Maria Anaga em 14/07/2018
Código do texto: T6390277
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