Ziguezagueando 35

Hugo, não se alterou. Continuou com a feição natural, no mesmo tom de voz, expressando o que estava no curso.

Agora, olho no olho, Jovita não deixava escapar uma palavra sequer pelos olhos. Hugo, segue:

___Li, em um livro intrigante, o resgate de escritos deixados por homens sábios da antiguidade, continha narrativas daqueles que traduziram em parábolas, o cenário das próprias transmutações das mentes, rumo à famosa iluminação.

Dentre elas, a narrativa simbolística de um místico, que diz ter parado o sol e a lua em seu curso. Outros, que atravessaram o Ganges, detendo seu curso, entendendo como terem alcançado a compreensão das verdades últimas que ditam a natureza da mente, controlando a corrente “solar” e “lunar” da energia psíquica, unificando-as, e sublimando em seus corpos.

Nada poderia me parar, Jovita, estava como avalanche, ribanceira abaixo, me via acabado no álcool, ou em qualquer desgraça. Não tinha solução para a soberania do meu querer, em não querer saber, entender mais nada sobre a existência.

Compreender o que eu era, até te conhecer, não era assunto em pauta mais, trabalhava para auxiliar na organização e cura da alma alheia, porque era mais fácil, usava a cartilha do mundo. Dava campo para pacientes encontrarem respostas significativas para seus sofrimentos, que seguiam compreendidos em suas mazelas interiores.

Outros, cavoucavam um pouco mais nas interrogações, chegando ao nada, voltavam para seus fracassos e dificuldades, que, assim como eu, continuavam a não se convencerem do estar satisfeito de serem homens e mulheres, neste mundo controverso, cheio de senões.

Você me uniu, Jovita, não me aderi a você, pelo contrário, estando em sua presença, partilhando o mesmo estar seu, me levou a um centro que não conhecia em mim. Pode ser o equilíbrio emocional, a inteligência que perscrutou para levar a vida, ou, talvez, esta liberdade irrestrita que me disponibilizou, de sair e voltar sem condições, e de outro, seu código de desobrigação, para o esperar e ser aguardado.

Contigo, tenho abundância de mim, o que importa se existe ou não uma entidade suprema habilidosa para me fazer de papel machê, que importa se morrer amanhã, muito menos me preocupa o prejuízo que poderei ter tido, de investir tanto em conhecimento e sabedoria, para acabar em mais um idoso no mundo, as margens da morte do corpo, sem prova evidente e incontestável do que sou feito.

Nem lembro mais que tive insatisfações, de ter me sentido uma obra nefasta, programada para ter um fim, de ter me sentido órfão, outras, abandonado por um criador tremendamente inteligente, e cruel, que pode ter determinado não ser visto por mim, cegando minha compreensão para o saber das minhas origens...o que importa.

Com você, não aprendi aceitar a vida...simplesmente a aceito como única, mesmo que para nunca mais ser, tornar descartável, absoleto quando a morte chegar.

Serei sincero para ti, se me dissesse que este que diz ser Eu, fosse tudo para o ponto zero, que seria reprogramado numa nova conotação, ao critério da escolha de uma inteligência suprema, esta vida já teria me bastado, pois ela me levou até você, para me encontrar. Se existe um Deus, este se resume no amor.

Não sei se me entende, mas você me uniu, me sinto tranquilo nesta vida, acolho tudo que vivi na mais pura aceitação, como sendo aquilo que deveria ser.

Hugo enfiou a mão em um dos bolsos da calça e tirou uma caixinha preta, eram as alianças, abriu-a. Falou sofregamente:

___Jovita, eu te amo. Aceita casar comigo?

Márcia Maria Anaga
Enviado por Márcia Maria Anaga em 13/07/2018
Reeditado em 13/07/2018
Código do texto: T6389451
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