O VAZIO E A CANÇÃO
O SILÊNCIO E A CANÇÃO
Medo não o medra. Que a solidão fique só. Sem essa de depressão ( sintoma dos ocos de ideais. ) Um bom uísque e um bom vinho o ajudam. Assim com uma bela mulher, com um belo par de pernas e seios e nádegas proeminentes. Adora quando elas gritam de prazer por sob ele. Foi assim com sua cunhada, com a juíza sua patroa, com a mulher do prefeito, a filha do seu amigo juiz, a mãe de sua ex-noiva. Predador insaciável insensível insensato. Apartamento beira-mar beirando a irracionalidade dos seres vítimas dele, gentalha hipócrita e desbebida de sabedoria, um canto de ópera desafinado em teatros urbanos, ele desprovido de qualquer sentimento, desabitado de qualquer tipo de fé, descasado por convicção e materialista por vasilina ateísta; bêbado de devorar livros e música erudita e praia e seus apelos eróticos. Impunha-se pela oratória e pelas aleivosias. Seus artelhos jamais penderam pra louvações de rábulas e áulicos, abominava-os, desprezava-os. Nos tribunais arqueados pelo tempo e pela poeira do servilismo togado, era um ciclope sobrevivente de Ulysses. Impunha-se pela presença e pelo temor que espargia de seus poros, dos seus olhos, da boca com esgar irônico e intimidador. Mandara muitos inocentes pra cadeia, libertara muitos culpados, não importava; importava era o depósito vultoso na sua conta bancária, as exaltações de sua performance nas colunas sociais, nas conversas de canto de tribunais; as reverências que lhe faziam os engraxadores de botas do poder; o espelho lhe refletia a imagem de titã, do causídico impermeável, o doutor das causas repugnantes e desprezíveis, enjeitadas pelo bom senso e pela Ética. Senhor ostentação, senhor tentação, intenso sob ação dos barbitúricos da selvageria, era selva e ele ria.
Há que sobreviver. Gostava de ir à varanda - do tamanho de uma sala de estar comum - observar o mar, no alto do décimo andar; aquele formigueiro de gente, aquele alvoroço existencial, um dia chato, o domingo. Odiava o domingo. Maioria se enfurnava dentro de casa, muitos iam a uma igreja, vomitar hipocrisia nas homilias e nos assentos de madeira derrubadas das florestas e matas e matagais. Encheria a cara, Wagner no som importado de Nova Iorque - amava aqueles tons quase militares, pangermânicos e antissemitas; depois um lauto almoço, charuto cubano, essas coisas, essas coisas. Sua coleção de armas! Sua menina dos olhos! Tinha arma de quase todo o mundo, mas o Colt 45 e a Winchester eram suas favoritas. Do Colorado. O Colt brilhando, limpara-o há pouco, olhava-o extasiado. Mantinha-o sempre carregado. Deu uma volta pela sala imensa daquele apartamento, a morte e o funeral de Siegfried ribombando nas paredes; colocou a indumentária com a qual sempre ia ao tribunal, solene; aumentou o volume de Wagner, o Colt no debaixo do queixo e puxou o gatilho.