Respeitável público
Cinco. Quatro. Três. Dois. Um. A luz amarela do semáforo inundou a noite escura, fazendo os primeiros carros, aqueles menos ansiosos pela novela das oito, reduzirem a velocidade e pararem à luz futuramente convertida em vermelho. Ia chegando a sua hora. A hora de entrar em cena. Seu espetáculo começaria em instantes... pela décima quinta vez aquele dia.
Ao brilhar rubro do gerenciador de tráfego, iniciou sua apresentação. A performance consistia em cinco tochas atiradas para cima alternadamente, em um espetáculo de malabares poucas vezes visto de maneira tão bem executada. As luzes das tochas confundiam-se com os faróis dos carros e tudo era um emaranhado deslumbrante de sensações visuais.
Por mais acostumado que estivesse a seu trabalho, toda apresentação lhe causava certo nervosismo, um leve embrulho na boca do estômago, que muitas vezes se confundia com a fome que se apoderava dele de forma quase que permanente. Mas quando via nos rostos dos motoristas a costumeira “cara de cachorro lambão”, como chamava aquele misto de espanto e de admiração, toda a ansiedade dava lugar a um orgulho, escavado do fundo de seu narcisismo escondido pelos anos de insucessos que tivera.
Por fim, terminava o número. Não ouvia as palmas, apenas uma enxurrada de aplausos silenciosos. Os olhos da platéia pediam bis. Mas o pobre malabarista pedia apenas uns trocados.
Ele pedia uns trocados. Era então que uma diferença se fazia notável. Com o término da apresentação, o homem deixava de ser o grande malabarista e passava a ser um mero pedinte, a quem todos fechavam os vidros e balançavam a cabeça.