Noite de Inverno

O frio cortava o íntimo da alma, quando já na calada madrugada, via-se aquele corpo quase que insignificante caído ao meio fio de uma sarjeta, trêmulo, agarrado meio a um punhado de jornal, procurava aquecer-se, fugir da ferocidade da estação, megera, que provocava a dor mais aguda que ser podia sentir, fazendo seus olhinhos esbugalhados, fixo, imóveis, tal qual uma águia à espreita de sua presa. Assim, fora vitoriosa mais uma noite, naquela dura batalha de plateia distante. Meio ao duelo gladiado, o sol tímido quase aparecerá, uma trégua suaviza o amargo cálice em imperturbável inércia, talvez o sono que chegara, mas as nuvens carregadas de impunham-se em lágrimas, Stratus, formavam um tapete de nevoeiro gélido, que aos poucos iam tremulando aquela estrutura minúscula retraída.

As pessoas caminhavam apressadamente pela calçada, de repente iam, e de repente vinham, surgiam dentre o nevoeiro como mágica, e naquele corre-corre do dia, o corpo ignorado definhava-se meio a sarjeta. Carros, trólebus e gargalhadas davam àquele acinzentado dia um certo colorido, ainda que opaco. Ninguém, absolutamente ninguém se aproximara do punhado de jornal que se mexia. Sobretudo, tocas e pulôveres, e até mesmo xales de lã ou Casimira Inglesa, um festival desfilava num vai e vem frenético que aquecia o ar àqueles que já estavam aquecidos.

Foi quando alguém resolver mexer com o punhado de jornal, logo os olhares por ali se deram conta de que ali havia uma vida, mas ninguém tirou de si uma peça se quer de roupa para lançar sobre aquele raquítico e trêmulo ser. - Onde está o pai dessa criança? – Como pode as autoridades deixar isso acontecer? – Cadê o conselho tutelar? – Chamem as autoridades! Que país injusto! Havia uma aberração, que de forma incalculada, causa repudio a todos que por ali passavam. Entretanto o sentimento de revolta de dó, de perplexidade se estagnava a procura de culpados.

Assim, todos se preocuparam por um responsável porque aquela cruel situação, havia até aquele que tivera o capricho de desembrulhar parte daquele corpinho, para ver exatamente do que se tratara, apesar desse, não se dar ao mesmo capricho de embrulhá-lo novamente. Os curiosos desmedidos, reféns de seu próprio universo, não eram capazes de uma atitude, única que fosse, contudo, já cumprirá seu papel, valendo-se da necessidade de buscar culpados. Saiam daquele palco indignados, murmurando, como fora possível tal episódio. Seria real? - Até inspirava confiança de que algo seria realmente feito, se aquela recalcitrante indignação não se perdesse na primeira esquina com um copo de chocolate ou vinho quente em rodas de amigos e gargalhadas.

Já com o cair da tarde, um chuvisqueiro, logo não houve mais tempo para inquisições, cada qual tomou mais ligeiro rumo. A temperatura voltara a cair, humedecida, persistente, atormentava o subconsciente daquela alma pálida que em movimentos minúsculos buscava refazer seu cobertor.

Um fio d’água, vagarosamente, iniciava-se. Era o mar nórdico, posto em geleiras,

Insistia em acentuar a agonia da ânsia no limite da libitina, desmanchava o cobertor e na fúria amarga da dor mais cálida, findavam o sofrimento e sua três dimensões, o jornal, que o prolongara a cada segundo, a vida, sem antelação, não vivida, e a ignorância dos porquês de cada um, na procura de responsáveis, eximindo-se do papel de cidadão.

Paulo Sergio Barbosa
Enviado por Paulo Sergio Barbosa em 04/07/2018
Reeditado em 04/07/2018
Código do texto: T6381072
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